Clima de tensão para possíveis conflitos na região tem se agravado com a proximidade das eleições | Foto: Wilson Dias/ABr

Símbolo da luta em favor dos marginalizados, dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (Mato Grosso), cobrou das autoridades, nesta quinta-feira (26),  providências urgentes e uma “decisão mais concreta” que garanta a desocupação da Terra Indígena Xavante- Marãiwatsédé de forma pacífica.  Em entrevista a Agência Brasil, Casaldáliga, de 76 anos, disse temer o agravamento da tensão e dos conflitos na região.

Segundo ele, a tendência de acirramento tem piorado em função da proximidade das eleições municipais de outubro e das promessas de campanha. A explicação para isso é de que vários candidatos prometem transformar em povoado a área da Terra Indígena Xavante-Marãiwatsédé.

“Está tudo suspenso e o clima é de insegurança”, disse o bispo ao comparar a situação ao ocorrido na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. “Temo que essa demora de definição leve a uma divisão entre os xavantes [locais] e os de outras áreas que aqui estão. Gostaria de recordar que os direitos dos indígenas são reais e primordiais garantidos aos povos que têm identidade própria”, alertou.

Dom Pedro Casaldáliga declarou ainda que a reserva se transformou em uma “verdadeira cidade” reunindo mais de 500 famílias. A prefeitura de São Félix do Araguaia informou que os mais de 165 mil hectares homologados como Terra Indígena Xavante são o resultado do desmembramento dos 680 mil hectares originais da Fazenda Suissá-Missú, comprada em 1980.

O bispo também criticou o comportamento histórico do Brasil frente aos povos indígenas. “O que tem sido colocado sobre os direitos dos indígenas ocorre em fascículos. A causa indígena é real. O Brasil tem que entender que tem uma dívida com os indígenas”, disse ele.

Entenda o caso 

No último dia 23, a Fundação Nacional do Índio (Funai) entregou à Justiça Federal em Mato Grosso um plano de retirada de todos os não índios do interior da Terra Indígena Xavante-Marãiwatsédé. No entanto, a prefeitura de São Félix do Araguaia entende que, ao contrário das decisões judiciais recentes, a reserva homologada por decreto presidencial em 1998, nunca foi integralmente ocupada pelos xavantes.

A disputa entre índios e não índios foi parar na Justiça. Em 2004, a então ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie, que depois presidiria a Corte, concedeu liminar aos xavantes, o que motivou um pequeno grupo a voltar a se instalar em uma área de cerca de 40 mil hectares. No mesmo ano, o STF cassou, por unanimidade, a liminar que garantia a permanência de fazendeiros na maior parte da reserva.

Porém, faltou a decisão final quanto à devolução aos índios da terra, em sua totalidade. Em 2010, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região reconheceu o direito dos xavantes à Terra Indígena Marãiwatsédé, confirmando a decisão dada em primeiro grau e a legalidade do procedimento administrativo de demarcação da terra indígena. Foi determinado que os não indígenas sejam retirados da reserva e as áreas degradadas, recuperadas.

No começo do mês, houve uma reunião entre representantes da Funai, do governo de Mato Grosso e produtores rurais do estado para discutir formas de amenizar a tensão gerada pela iminente retirada dos não índios da área. O governo estadual propôs que os índios fossem levados para outra área bem maior, de 225 mil hectares, no interior do Parque Nacional do Araguaia. Os índios, a Funai e o Ministério Público Federal não aceitaram a proposta.

História de São Félix do Araguaia e de dom Pedro Casaldáliga se misturam

A região de São Félix do Araguaia (no Mato Grosso), onde está localizada a Terra Indígena Xavante-Marãiwatsédé, foi um dos principais cenários dos enfrentamentos da guerrilha contra a ditadura durante os anos de 1960 e 1970. As tensões entre os que combatiam e os que atuavam em favor do regime militar sufocaram as disputa entre índios e não índios. A história da região e do bispo dom Pedro Casaldáliga se misturam nas última quatro décadas.

 Crítico da ditadura e defensor das minorias, o bispo catalão dom Pedro Casaldáliga, de 76 anos, mudou-se, em agosto de 1970, para uma casa simples em São Félix do Araguaia. De sua casa, ele coordena as ações em defesa dos indígenas da região e apela às autoridades para evitar a opressão e o domínio das reservas.

“Gostaria muito que as autoridades revisem a decisão da Advocacia-Geral da União [AGU] a decisão sobre a demarcação de terras porque, do contrário, pode ser criada uma nova ordem de insegurança [em várias regiões do país]”, disse à Agência Brasil o bispo.

Considerado o primeiro a denunciar o trabalho escravo no Brasil, na década de 1970, dom Pedro Casaldáliga mantém a vivacidade e o espírito combativo. Seguidor da teologia da libertação, adotou como lema para sua atividade pastoral Nada Possuir, Nada Carregar, Nada Pedir, Nada Calar e, sobretudo, Nada Matar. É escritor e poeta, ele disse que se mantém dedicado também aos livros.

Dom Pedro Casaldáliga foi alvo de inúmeras ameaças de morte. Uma das ameaças mais graves ocorreu em 1976, na região de Ribeirão Bonito (Mato Grosso), quando assumiu a defesa de mulheres torturadas em uma delegacia de polícia. Na ditadura militar, foi alvo de cinco processos de expulsão do Brasil.

Por: Renata Giraldi
Fonte: Agência Brasil – EBC
Edição: Talita Cavalcante