Grupo protesta desde terça contra mudanças nas demarcações de terras.
Índios usaram imagens de Gleisi Hoffmann, Adams, Caiado e Kátia Abreu.
Índios fazem enterro simbólico de ministros e parlamentares em frente ao Congresso (Foto: Fabiano Costa/G1)
Inconformados com projetos de lei que atingem povos indígenas, cerca de 1,5 mil índios de todo o país fizeram um enterro simbólico de parlamentares e ministros no gramado em frente ao Congresso Nacional. Líderes indígenas também entregaram um documento a deputados listando as reivindicações de mais de cem etnias que vieram a Brasília protestar contra propostas que tramitam no parlamento.
Pajés fazem ritual em torno da cova simbólica (Foto: Fabiano Costa/G1)
Os índios criticam, entre outros projetos, a Proposta de Emenda à Constituição que altera as regras de demarcação de reservas indígenas. Em razão da pressão dos indígenas, o presidente em exercício da Câmara, deputado André Vargas (PT-PR), sinalizou nesta quarta que a tendência é que a PEC 215 seja arquivada.
Para registrar a insatisfação com os projetos de lei, os índios decidiram promover um enterro de congressistas da bancada ruralista e integrantes do governo federal que eles consideram inimigos da causa indígena.
Sob os olhares de parlamentares, os índios cavaram uma cova nos gramados do parlamento e depois de cobri-la com terra cravaram cruzes de madeira com as fotos do líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), e dos ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União).
Encerrada a sepultura, pajés (sacerdotes indígenas) fizeram um ritual religioso em volta da cova. Enquanto isso, dezenas de índios cantavam e dançavam.
A Polícia Militar do Distrito Federal fez um cordão de isolamento diante da fachada do Legislativo para evitar invasões. Na véspera, os mesmo índios tentaram entrar sem autorização no Congresso, mas foram contidos pelos policiais. Nesta quinta, entretanto, não houve registro de tumultos.
Em outro ponto do gramado, índios queimaram uma cópia da PEC 215 e depois a enterraram em uma cova simbólica.
Reivindicações
Os caciques que viajaram à capital federal para protestar contra os projetos de lei entregaram nesta quinta (3) a oito parlamentares um documento de quatro páginas com reivindicações dos povos indígenas de todo o país. Receberam o manifesto indigenista os deputados Ivan Valente (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Janete Capiberibe (PSB-AP), Lincoln Portela (PR-MG), Erika Kokay (PT-DF), Amauri Teixeira (PT-BA), Domingos Dutra (PT-MA) e Benedita da Silva (PT-RJ).
O ofício foi batizado de “declaração da mobilização nacional em defesa da Constituição Federal dos direitos territoriais indígenas, quilombolas, de outras populações e da mãe natureza”. No texto, os caciques dizem “repudiar” supostos ataques do governo federal contra as etnias indígenas. Os índios também acusam no documento a bancada ruralista de estar agindo “a serviço de interesses privados”.
“Nós caciques e lideranças indígenas de todo o Brasil (…) repudiamos de público os ataques do governo da presidente Dilma Rousseff e parlamentares, majoritariamente ruralistas do Congresso Nacional, contra os nossos direitos originários e fundamentais, principalmente os direitos sagrados à terra, territórios e bens naturais garantidos pela Constituição Federal de 1988”, escreveram os índios representados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Além da PEC 215, os índios reclamam do projeto de lei complementar que define os bens de relevante interesse público da União para fins de demarcação de terras indígenas. Segundo Sônia Guajajara, uma das lideranças indígenas do povo Guajajara, do Maranhão, o PLP 227/12 preocupa mais os índios do que a PEC que modifica as regras das demarcações.
Sônia enfatizou que os índios ainda vão ficar mais alguns dias em Brasília “para mostrar ao país que os povos indígenas estão vivos”. “O que pode nos calar é o arquivamento de todas essas medidas anti-indígenas que estão aí”, ressaltou.
OS ÍNDIOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Este documento traz os artigos da CF/88 que estão relacionados
à situação dos índios brasileiros.
Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4.º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
III – autodeterminação dos povos;
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Art. 20. São bens da União:
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
§ 2.º A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XIV – populações indígenas;
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
XI – a disputa sobre direitos indígenas.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 3.º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4.º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1.º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 2.º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1.º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2.º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
CAPÍTULO VIII
Dos Índios
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7.º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.º e 4.º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
ADCT
Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.
Brasília, 5 de outubro de 1988.
Ulysses Guimarães, Presidente
Mauro Benevides, 1.º Vice-Presidente