Portaria ministerial pode paralisar definitivamente a identificação de Terras Indígenas

03.12.2013

DIA DO INDIO

Márcio Santilli (Instituto SocioAmbiental – ISA)*

Nesta semana, o Ministério de Justiça (MJ) fez circular entre os membros da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) uma minuta de portaria ministerial que acrescenta vários procedimentos administrativos ao processo de demarcação das terras indígenas, já regulado pelo decreto 1.775/96, ainda em vigor. A portaria, que deve ser publicada nos próximos dias, multiplica os ritos burocráticos e formaliza a intervenção de quaisquer interesses eventualmente contrariados desde a etapa inicial do processo, a de identificação das áreas de ocupação tradicional.

Essa fase inicial implica a constituição de grupo de trabalho, coordenado por um antropólogo com formação acadêmica reconhecida e integrado por outros técnicos – cartógrafo, biólogo, indigenista, agrônomo, conforme o caso – que identifica as referências de ocupação tradicional indígena, características ambientais e situação fundiária, além de formular uma proposta de limites a ser submetida às instâncias de decisão política – o MJ e a Presidência da República – para posterior demarcação física, homologação e registro cartorial. Esse grupo, de caráter eminentemente técnico, pode e deve produzir informações sobre interesses não indígenas incidentes na área em estudo, mas não lhe compete – e nem ele dispõe de legitimidade, poder administrativo ou proteção física – para rechaçar ou pactuar com terceiros interessados.

Segundo a minuta, o grupo “técnico” seguiria sendo coordenado por antropólogo, mas constituído agora por outros quatro membros, sendo um deles procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e os demais com formação em cartografia, topografia e meio ambiente. A proposta diz, ainda, que os integrantes do grupo devem ser prioritariamente funcionários públicos, podendo ser contratados em caráter privado sob condições. A especificação da formação técnica de cada um dos técnicos e, especialmente, a obrigatoriedade de inserção da AGU dificultarão ainda mais a criação e funcionamento de novos grupos de trabalho, que passarão a depender da duvidosa disponibilidade desses membros.

Ainda segundo a minuta, poderão participar das atividades do grupo representantes da comunidade indígena local, mas também dos municípios, dos estados e de nove ministérios, que deverão ser notificados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para indicar seus representantes em prazo determinado e cuja participação deve ser formalizada por portaria. Em suma, poderão participar do grupo até 20 integrantes, a maioria com interesses contraditórios em relação ao objeto do trabalho.O que hoje ocorre é que a Funai encontra dificuldade crescente para recrutar até mesmo antropólogos para coordenar novos grupos de trabalho, pois é exíguo o número de profissionais do seu quadro e não tem sido possível contratar antropólogos vinculados às universidades ou a outros órgãos públicos, por caracterizar dupla remuneração. Não raro se vê antropólogos coordenando grupos de trabalho em caráter voluntário, sem remuneração (com direito apenas ao pagamento de despesas), e que, por isso mesmo, prestam serviço em períodos de férias ou quando têm disponibilidade, não podendo ser submetidos a prazos específicos para a entrega de relatórios e de outros produtos.

Nessas condições, tem sido cada vez mais difícil recrutar coordenadores e outros integrantes para os grupos de trabalho, assim como alocar, em cada caso, os antropólogos mais qualificados ou que tenham experiência, relações e informações acumuladas sobre o povo indígena e a região em questão. A nova portaria não se reporta a nenhuma dessas dificuldades objetivas, mas as multiplica, acrescentando responsabilidades de mediação de interesses contrariados que são estranhas à formação técnica dos profissionais requeridos e implicam em aumento exponencial de riscos pessoais, profissionais e políticos.

Além disso, vários dos procedimentos adicionais propostos na minuta implicariam em custos e despesas adicionais, mas o texto não provê solução para isso. Pelo contrário, explicita que a constituição de novos grupos de trabalho ficará subordinada “às disponibilidades orçamentárias”, que são exíguas e incertas, mas que certamente deveriam ser reforçadas caso pretenda-se melhorar a qualidade dos trabalhos de identificação de Terras Indígenas. Como o ritmo das identificações já tem sido lento, prolongando conflitos, é lícito supor que as dificuldades técnicas, burocráticas, políticas e orçamentárias que seriam acrescidas pela portaria poderão paralisar de vez esse processo.

Responsabilidade política

O ponto é que a responsabilidade de mediação política é do governo e, no caso, principalmente do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a sua transferência para um grupo técnico, ou para a figura de um antropólogo, é uma completa aberração. Cardozo já tem suas gavetas abarrotadas de processos de demarcação, que aguardam decisão, por vezes, há anos. Tem sido incompetente para equacionar o pagamento de indenizações e para conduzir as negociações junto a proprietários rurais e ao governo do Mato Grosso do Sul, principal foco atual de conflitos envolvendo a demarcação de Terras Indígenas e chegou a ordenar a invasão de aldeias de índios Munduruku, no Pará, pela Força Nacional de Segurança, que matou um índio e feriu outros. A edição da portaria aventada, ao final da sua gestão, seria uma consagração negativa definitiva.

Se quisesse, o ministro poderia mirar-se no exemplo do seu colega, Pepe Vargas, ministro do Desenvolvimento Agrário, que editou uma portaria no início do ano, exigindo providências adicionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a instrução dos processos de desapropriação para a reforma agrária, mas teve que revogá-la no mês passado para não terminar o ano com nenhuma desapropriação, recorde histórico insuperável. Cardozo, que já vem nessa rota há três anos, ameaça concluir a era de omissões que protagonizou, deixando, como herança, um tiro no pé do próprio sucessor.

http://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-ppds/portaria-ministerial-pode-paralisar-definitivamente-a-identificacao-de-terras-indigenas

* Márcio Santilli, sócio fundador e assessor do ISA

Desdobramentos da Conjuntura Indigenista: Governo investe na desmobilização dos povos

Cleber César Buzatto
Adital

O governo federal dá sinais cada vez mais evidentes de que comanda as fileiras anti-indígenas na direção de dificultar e inviabilizar o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas e de abrir caminho para acelerar a exploração das terras demarcadas, de forma especial por meio da implementação de empreendimentos de infraestrutura e geração de energia.

Para tanto, representantes de setores do governo vêm cumprindo tarefas de forma coordenada na perspectiva de executar a estratégia definida no núcleo político instalado no Palácio do Planalto, que envolve, além da presidente da República, os ministérios da Casa Civil, da Energia, da Agricultura e do Planejamento.

Em relação à questão fundiária, a tarefa vem sendo cumprida primordialmente pelo Ministério da Justiça, na pessoa do ministro José Eduardo Cardozo. São dois os instrumentos principais usados neste sentido, a saber, a moratória nas demarcações, com flagrante desrespeito às normas legais vigentes, e a tentativa de alterar o procedimento de demarcação de terras indígenas.

Mais de 20 processos de demarcação estão parados sobre a mesa do ministro à espera de sua decisão acerca da assinatura de portarias declaratórias da tradicionalidade indígena das respectivas terras. O decreto 1775/96 estabelece prazo de trinta dias para a tomada de decisão pelo ministro. Há casos que aguardam essa decisão há anos. Da mesma forma, diversos processos aguardam decretos de homologação por parte da presidente Dilma. Sem interesse de resolver de fato a questão, o governo tem apostado na instalação das chamadas “mesas de negociação” como forma de atenuar as cobranças por parte dos povos.

Concomitantemente, em audiência na Comissão de Agricultura do Senado, no dia 21 de novembro, Cardozo prometeu à bancada ruralista daquela Casa que editará uma portaria com as novas regras de demarcação de terras indígenas no país “com acordo ou sem acordo”. A intenção é a de atender demanda dos ruralistas que cobram participação de órgãos públicos alinhados no procedimento de demarcação, a exemplo da Embrapa e do Ministério da Agricultura. Nesse momento, o governo busca, desesperadamente, legitimar essa iniciativa. Lideranças e organizações indígenas devem ficar atentas para não caírem em armações neste sentido.

Quanto aos empreendimentos, a tarefa está sendo cumprida fundamentalmente pela Advocacia Geral da União, na pessoa do ministro Luis Inácio Adams, e pela Secretaria Geral da Presidência da República, nas pessoas do ministro Gilberto Carvalho e do secretário Nacional de Articulação Social, Paulo Maldos. Os instrumentos que estão sendo usados, no caso, são a Portaria 303/12 e a “regulamentação” da Convenção 169 da OIT.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido que as “Condicionantes” estabelecidas no julgamento da Petição 3388 não se aplicam às demais terras indígenas do Brasil, Adams tem declarado publicamente que a Portaria 303/12 entrará em vigor, de direito, no dia seguinte à publicação de acórdão do STF, seguindo com o que estabelece a Portaria 415/12 da própria AGU. Informações obtidas junto a integrante do próprio governo dão conta de que procuradores federais estão sendo “orientados” pela AGU a cumprirem, de fato, a Portaria 303/12.

Ao mesmo tempo, a convite da Secretaria Geral da Presidência, membros da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) estiveram reunidos com Carvalho e Maldos, também no dia 21 de novembro. Na pauta, um dos temas mais sensíveis para o governo atualmente, a “regulamentação” da Convenção 169 da OIT. De acordo com um dos membros da coordenação da APIB, na ocasião, os citados representantes do governo teriam oferecido a criação de um “fundo” de apoio às organizações indígenas. Em contrapartida, no entanto, a organização deveria concordar com a retomada do processo de regulamentação da Convenção 169.

Como é sabido, os povos indígenas se afastaram do referido processo de regulamentação, em 2012, devido justamente à edição da Portaria 303 por parte do Executivo Federal. Como fica evidente, essa movimentação do governo junto à APIB visa substituir a condição política estabelecida pelos povos indígenas para retomar as discussões sobre a Convenção 169, a saber, a revogação da Portaria 303/12, por uma “oferta” financeira às organizações indígenas.

Embora tentadora num primeiro momento, a resposta da APIB a esta proposta governamental deve considerar, entre outros aspectos, o fato de que o governo busca a construção de um cenário ideal, num futuro próximo, para acelerar os empreendimentos e outras formas de exploração sobre as terras indígenas, a saber, a Portaria 303/12 em vigor de fato e de direito, a Convenção 169 da OIT regulamentada sem direito de veto e as organizações indígenas dependentes financeiramente do governo, o que poderia inviabilizar a resistência e a mobilização política que os povos vêm demonstrando contra o ataque aos seus direitos.

Essa estratégia de “desmobilização” social aplicada aos povos indígenas, nesse momento de risco iminente de retrocessos em relação aos seus direitos, é uma ação política traiçoeira e moralmente vergonhosa por parte do poder Executivo Federal. Isso porque são exatamente as mobilizações dos povos que vêm empoderando o movimento indígena na defesa e pela implementação de seus direitos, enfrentando as violentas investidas dos ruralistas, das empreiteiras, das mineradoras e de outros grupos econômicos interessados em continuar explorando e ou iniciar a exploração de suas terras.

O que se espera do governo brasileiro é que cumpra os ditames constitucionais, reconheça e respeite a organização social, os costumes, crenças e tradições dos povos indígenas, bem como, retome a demarcação de suas terras. É inaceitável que continue atentando contra seus direitos e tentando desmobilizar os povos na defesa dos mesmos.

Brasília, DF, 25 de novembro de 2013.

Índios protestam em Brasília contra mudança no processo de demarcação de terras

Durante o protesto, os índios chegaram a entrar em conflito com seguranças do Palácio do Planalto e a fechar o trânsito em vários trechos da Esplanada dos Ministérios

Publicado em 04/12/2013, às 10h41

Da Agência Brasil

  / Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Brasília – Depois de cercarem o Palácio do Planalto, em Brasília, na manhã desta quarta-feira (4), cerca de 1,2 mil índios de várias etnias estão, neste momento, divididos em manifestações no Congresso Nacional e diante do Ministério da Justiça. O grupo protesta contra o que classifica como mais uma iniciativa do governo federal para inviabilizar a demarcação de terras indígenas. A presidente Dilma Rousseff não estava no local.

Durante o protesto, os índios chegaram a entrar em conflito com seguranças do Palácio do Planalto e a fechar o trânsito em vários trechos da Esplanada dos Ministérios.

O estopim da manifestação foi a minuta (esboço) de uma portaria que, segundo as lideranças indígenas, o Ministério da Justiça está produzindo. Representantes do movimento dizem ter tido acesso à cópia do documento no último final de semana. Segundo Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o texto estabelece mudanças nos procedimentos legais necessários ao reconhecimento e à demarcação de terras indígenas.

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A minuta, ainda segundo Sônia, visa a oficializar a proposta do governo federal de que outros órgãos de governo, além da Fundação Nacional do Índio (Funai), sejam consultados sobre os processos demarcatórios em curso. A proposta foi apresentada pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ainda no primeiro semestre deste ano, com a justificativa de minimizar conflitos entre índios e produtores rurais.

“A gente entende que a minuta só servirá para dificultar ainda mais o processo de identificação e demarcação de terras. O governo federal e o Congresso Nacional estão aliados para atacar e diminuir os direitos indígenas, principalmente os territoriais, favorecendo o agronegócio e o latifúndio”, disse Sônia Guajajara à Agência Brasil, adiantando que o grupo quer ouvir o ministro José Eduardo Cardozo sobre o assunto.

“Há um momento em que as autoridades, e o ministro da Justiça, principalmente, têm que se posicionar e atuar para que os direitos sejam cumpridos, para implementar o que já é garantido constitucionalmente, e não adiar ainda mais isso. O efeito da demora na demarcação de novas terras indígenas é tensionar ainda mais a situação. O governo e o ministro pensam que estão mediando, apaziguando as tensões, mas os conflitos só vêm aumentando”, acrescentou Sônia.

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Ao perceber a chegada dos índios, seguranças fecharam todas as portas de acesso ao Palácio do Planalto. Os índios rodearam o edifício e tentaram passar pela entrada lateral. Fazendo barulho e carregando faixas com pedidos de “demarcação de terras urgente”, alguns manifestantes forçaram a passagem, entrando em confronto com a segurança. Alguns seguranças chegaram a usar spray de pimenta para dispersar o grupo.

Após cerca de meia hora no local, parte do grupo seguiu para o Congresso Nacional. Outra parte se reuniu diante do Ministério da Justiça, impedindo o acesso dos servidores que chegavam. Policiais militares reforçam a segurança do local. Representantes do ministério estão negociando com os líderes do protesto. Segundo a assessoria do ministro José Eduardo Cardozo, ele pretende receber uma delegação indígena para discutir o tema.

contra destruição da funai

Além de criticar a minuta, os índios também cobram a apuração de crimes contra os povos indígenas, como o assassinato do cacique Ambrósio Vilhalba, da Aldeia Guarani-Kaiowá Guyraroká, em Cristalina (MS). Vilhalba foi encontrado morto segunda-feira (2). A Polícia Civil deteve dois suspeitos e investiga se a morte foi consequência de rixas entre o cacique e outras lideranças da aldeia.

“O governo deve deixar de promessas e cumprir o que prometeu para nós. Hoje você vê o povo indígena, lá em Mato Grosso do Sul, sendo assassinado por fazendeiros, por grandes pecuaristas, que querem tomar a terra do índio. Queremos demarcação de terras urgente. Não dá mais para aguentar. Também queremos direito à saúde e à educação. E respeito ao povo indígena”, disse o índio kinikinau, de Mato Grosso do Sul, Nicolau Flores.

IMPORTANTÍSSIMA DECISÃO DO STF QUANTO ÀS PRERROGATIVAS DA FUNAI

NOTA PÚBLICA DA FUNAI SOBRE O JULGAMENTO, PELO STF, DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CASO RAPOSA SERRA DO SOL

A Fundação Nacional do Índio – Funai vem a público, considerando as notícias veiculadas na mídia, manifestar-se sobre o julgamento dos Embargos de Declaração à decisão proferida na Petição nº 3.388/Roraima, que representou o pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal acerca do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e dos limites da decisão proferida.

O Tribunal, fazendo uso de sua competência de guardião da Constituição, reiterou, por definitivo, a constitucionalidade e a legalidade do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em todas as suas fases, desde a identificação e delimitação, até a edição da Portaria MJ nº 534/2005 e do decreto presidencial homologatório que reconheceu a tradicionalidade na ocupação da terra indígena.

Desse modo, o STF manteve entendimento da constitucionalidade do processo de demarcação de terras indígenas tal qual atualmente realizado pelo Executivo, tendo a Funai papel central, com base no Decreto nº 1775/96 e na Portaria MJ nº 14/96, restando definitiva a interpretação sobre a competência de realizar e efetivar a demarcação de terras indígenas no país.

Houve, ainda, o reforço, por parte dos Ministros do STF, de reconhecer a natureza meramente declaratória, e não constitutiva, da demarcação, destacando o caráter originário do direito fundamental dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas por eles.

Acerca das “salvaguardas institucionais”, o STF acolheu, em parte, os pedidos constantes nos embargos de declaração apresentados, a fim de esclarecer que as razões de decidir adotadas não se estenderiam a outros casos que não o julgado na Petição nº 3388/RR, não afetando de modo vinculante outras demarcações de terras indígenas.

Assim, as 19 salvaguardas que constam no acórdão da Petição 3.388/RR foram mantidas tão somente como condições de operacionalização da decisão relativa à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, tendo o STF declarado expressamente que elas não se aplicam às demais terras indígenas do país.

No que se refere ao aclaramento dos dispositivos insertos no art. 231, § 3º e 6º da Constituição, os Ministros do STF reforçaram a impossibilidade de existir, nas Terras Indígenas, pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no que se refere às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

A Corte consignou entendimento de que a União pode, nos casos em que se constate vícios em processos administrativos, promover a revisão da demarcação de terras indígenas já concluídas, devendo, para tanto, instituir procedimento administrativo próprio. Nesses casos, todos os envolvidos devem ser ouvidos, inclusive o Ministério Público.

No contexto da efetivação dos direitos dos povos indígenas, a FUNAI entende que o Supremo Tribunal Federal buscou dar plena vigência aos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, garantindo a manutenção do pacto realizado em 1988 entre o Estado e os povos indígenas, respeitando-se, assim, as particularidades que são ínsitas à grande diversidade de povos indígenas no Brasil.

Carta Aberta à Presidente Dilma Rousseff sobre as ameaças e ataques de ruralistas contra povos indígenas

Intervenção federal no Mato Grosso do Sul já
Fonte da notícia: Cimi – Conselho Indigenista Missionário

 

À Presidente Dilma Rousseff
Desde a morte de Oziel Terena, assassinado por forças policiais durante o cumprimento de uma reintegração de posse na terra indígena Buriti em maio deste ano, uma série de acontecimentos tem colocado em risco a segurança e a vida das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. Em sua guerra particular contra os povos indígenas, fazendeiros tem se manifestado de forma cada vez mais agressiva no discurso e na ação contra estes povos.

Estimulado por declarações violentas e preconceituosas de fazendeiros e seus representantes no Mato Grosso do Sul, o conflito chega a um estado de recrudescimento que exige de nós, organizações indígenas e indigenistas, vir a público mais uma vez denunciar a situação urgente e gravíssima dos povos originários do estado, e exigir uma intervenção federal imediata no Mato Grosso do Sul, de modo a evitar mais uma tragédia anunciada no Brasil.

Em Campo Grande, durante a invasão da sede da Fundação Nacional do Índio por 150 produtores rurais, no dia 19 de novembro, uma fazendeira gritou, dirigindo-se a indígenas que estavam no local: “o dia 30 está chegando (…), e rogo uma praga a vocês: morram. Morram todos!”. Foi aplaudida pelos manifestantes.

Dia 30 de novembro foi o prazo final estabelecido pelos produtores rurais do Mato Grosso do Sul para que o governo solucione os conflitos fundiários no estado. No entanto, prevendo que o Estado não consiga apresentar uma proposta que efetivamente dê cabo do problema – e que favoreça o segmento do agronegócio – os fazendeiros, através de suas associações, tem pública e repetidamente dado declarações como esta.

“O prazo para uma solução final é 30 de novembro. Depois disso, como já é tragédia anunciada, os fazendeiros irão partir para o confronto legítimo para defender seu direito de propriedade. E vai haver derramamento de sangue, infelizmente”, declarou o vice-presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Jonatan Pereira Barbosa, na tribuna da Comissão de Reforma Agrária do Senado Federal, no dia primeiro de novembro, conforme publicado no sítio eletrônico da entidade.

O presidente da Acrissul, Francisco Maia, no último dia 8, em reunião com 50 produtores rurais do estado, disse: “A Constituição garante que é direito do cidadão defender seu patrimônio, sua vida. Guarda, segurança, custa dinheiro. Para entrarmos numa batalha precisamos de recurso. Imagine se precisamos da força de 300 homens, precisamos de recurso para mobilização”.

Em nova reunião, no dia 12 de novembro, o vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Nilton Pickler, também veio à público corroborar a posição da Acrissul: “Estamos em uma terra sem lei, onde invadir propriedade não é mais crime, alguma reação precisa ser feita”, afirmou.

As entidades representativas dos produtores rurais do estado estão organizando, para o dia 7 de dezembro, em Campo Grande, um leilão de animais, commodities, máquinas e produtos doados pelos próprios pecuaristas do estado, para arrecadar recursos para ações contra os indígenas. Deram ao evento o nome de “Leilão da Resistência”. Declararam, no último dia 19, que já receberam 500 cabeças de gado como doação, equivalentes a, no mínimo, 500 mil reais.

O documento final da Quarta Assembleia do Povo Terena, que contou com a participação de mais de 300 lideranças Indígenas de todo o estado, representando os mais de 70 mil indígenas que lá vivem, declarava: “a tragédia está anunciada em Mato Grosso do Sul (…). É pública e notória a ameaça concreta intentada contra os povos indígenas pelos ruralistas deste estado”. Para os indígenas, está claro: os “leilões da resistência” anunciados pelos produtores rurais “tem por objetivo financiar milícias armadas”.

Em carta, os indígenas criticaram o Estado pelo abandono das negociações, no sentido de encontrar saídas para a questão indígena. “O governo federal instalou (…) uma mesa de diálogo na tentativa de resolver a demarcação de nossos territórios. No entanto, após vários prazos estipulados pelo próprio ministro [da Justiça], não há nada de concreto a ser apresentado aos povos indígenas”.

As comunidades Terena, Guarani-Kaiowá, Guarani Ñandeva, Kinikinau e Kadiwéu em luta pela garantia de seus territórios tradicionais, tem relatado e denunciado à Polícia Federal, à Funai e ao MPF um sem número de casos de ataques a tiros, invasões, intimidações e ameaças de morte que os indígenas vem sofrendo no último período. Apesar disso, até o momento, nenhuma segurança permanente está sendo oferecida a estes povos.

Os indígenas conhecem bem o trabalho da segurança privada que os fazendeiros pretendem ampliar na região. Em contexto do conflito envolvendo indígenas e fazendeiros, em novembro de 2011, a empresa de segurança privada Gaspem, que prestava – e ainda presta – serviços a proprietários de terras que incidem sobre território tradicional indígena, foi acusada de envolvimento na morte do rezador Guarani-Kaiowá Nízio Gomes, no tekoha Guaiviry, em Aral Moreira. Na denúncia, o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) classificou as atividades da empresa como de uma “milícia privada”, exigindo a suspensão das atividades da companhia. Em função do caso, sete pessoas estão presas, conforme relatou o MPF.

Jornais e televisões locais também tem associado o termo “milícias armadas” ao discurso dos ruralistas sobre o leilão e sobre as ameaças do dia 30 de novembro. Agências de notícias internacionais categorizaram o caso como “conflito sangrento (…) com características de guerra territorial”.

É público e notória que, no Mato Grosso do Sul, os fazendeiros estão organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil.

A “resistência” dos latifundiários é contra a demarcação das terras indígenas. É contra a realização de laudos e perícias pela Funai. É contra a organização política dos indígenas, que avançam na retomada de seus territórios tradicionais, frente à morosidade do Estado e da Justiça, de toda a violência que vem sofrendo, das mãos das forças policiais estaduais e federais, e das seguranças privadas “legais” ou ilegais que atuam na região. A dita “resistência” é, a rigor, contra a vida destas pessoas.

Em função desta conjuntura, extensão de um violento processo histórico de espoliação, confinamento e extermínio dos povos indígenas desta região, as organizações signatárias vem a público exigir da presidente Dilma uma intervenção federal imediata no Estado do Mato Grosso do Sul. O poder público pode e deve evitar esta “tragédia anunciada”, repetição sistemática do genocídio contra os povos indígenas. E isto precisa ser feito agora. O reconhecimento e a demarcação das terras indígenas é a verdadeira solução para a situação que está posta no Mato Grosso do Sul.

Brasília, 21 de novembro de 2013.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ArpinSul
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme
Aty – Guassu Guarani Kaiowá
Conselho de Caciques Terena
Conselho Indígena de Roraima – CIR
Instituto Kabu – Nejamrô Kayapó
Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro – AITSP
CCPIO AP. Galibi Marworno – Paulo R. Silva
Vídeo nas Aldeias – Vicent Carelli
Operação Amazônia Nativa – Opan
Instituto de Pesquisas e Formação Indígena – Iepé
Instituto Sócio Ambiental – ISA
Associação Terra Indígena Xingu – ATIX
Instituto Indígena para Propriedade Intelectual – Inbrapi
HAY – Dário Vitória Kopenawa Yanomami
HAY – Davi Kopenawa Yanomami

As causas da grande mobilização indígena

 

Quais os projetos de mineradoras, madeireiras e ruralistas para avançar sobre territórios e direitos dos índios. Como tramitam, em silêncio, no Congresso Nacional.
por Marcelo Degrazia — publicado em Carta Capital em 05/10/2013 20:33
Índios no Congresso Nacional: bancada ruralista sente-se à vontade
para eliminar direitos à sombra, sem nenhum debate com a sociedade

Mobilização Nacional Indígena, deflagrada ao longo desta semana, é uma luta pela defesa dos direitos indígenas adquiridos e para barrar uma avalanche devastadora, lideradas pela Frente Parlamentar do Agronegócio. A luta é pela terra, sua posse e uso. A convocação foi da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e envolve organizações indígenas e indigenistas de diversas partes do país, agora articuladas e em luta.

A linha do tempo vai até as caravelas de Cabral, mas vamos tomá-la a partir deste ano, para compreender melhor o contexto atual. Em 16 de abril, cerca de 300 índios ocuparam o plenário da Câmara, em protesto contra a instalação de Comissão Especial para analisar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que torna praticamente impossível a demarcação das terras indígenas, ao tirar esta prerrogativa da Fundação Nacional do Índio (Funai) e transferi-la ao Congresso Nacional.

Na ocasião, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) prometeu não instalar a comissão antes do final de agosto. A casa criou então um grupo de trabalho para discutir a condição dos índios no Brasil, cujo relatório seria um subsídio importante para a decisão de constituir ou não a comissão. Integraram o grupo lideranças indígenas, deputados ruralistas e parlamentares que defendem os direitos dos índios. Segundo Lincoln Portela (PR-MG), mediador do grupo, “basicamente aprovamos a rejeição da PEC 215.” A rejeição, concluindo pela inconstitucionalidade do projeto, foi por unanimidade dos presentes, já que nenhum parlamentar da frente do agronegócio compareceu às reuniões.

Na noite de 10 de setembro, contrariando o parecer do grupo de trabalho criado por ele mesmo, Henrique Eduardo Alves instituiu a Comissão Especial para analisar a PEC 215. Alves estaria atendendo compromisso assumido com a bancada ruralista durante sua campanha para a presidência da Câmara. Muitos dos 27 deputados indicados então para a Comissão Especial integram a frente do agronegócio e são autores de projetos que suprimem direitos dos índios, como veremos.

Nessa semana da Mobilização, Alves pretendia instalar a Comissão Especial, com a indicação do relator e do presidente – mas teve de recuar diante das manifestações.

A PEC 215, de 2000, é de autoria do ex-deputado Almir Sá (PRB-RR), atualmente presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Roraima. Ela estabelece a competência exclusiva do Congresso Nacional para aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e ratificar as demarcações já homologadas – hoje atribuições exclusivas do Executivo, que as executa por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Na avaliação de organizações indígenas e indigenistas, na prática significará o fim de novas demarcações. O risco não seria apenas para o futuro, mas também para hoje, pois das 1.046 terras já demarcadas apenas 363 estão regularizadas. As demais, ainda em processo por vários fatores, ficariam com sua homologação na dependência do Congresso. “Como contamos nos dedos quantos congressistas defendem a causa indígena, com certeza nenhuma terra será demarcada”, considera Ceiça Pitaguary, líder do movimento indígena do Ceará.

A PEC é flagrantemente inconstitucional”, afirmou Dalmo Dallari, professor de direito da Universidade de São Paulo, ao Instituto Socioambiental (ISA): ela não respeita a separação dos poderes. As demarcações e homologações são atribuições do Executivo, procedimentos de natureza administrativa; ao Legislativo compete legislar e fiscalizar. Para alguns antropólogos, o direito à ocupação dessas terras é originário, e está assegurado na Constituição – as demarcações são apenas reconhecimento desse direito pré-existente.

A opinião de Carlos Frederico Maré, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná vai na mesma direção. Ex-presidente da Funai, ele sustenta que a demarcação é um procedimento eminentemente técnico. Em entrevista ao ISA, disse que “a Constituição não deu direito à demarcação. Deu direito à terra. A demarcação é só o jeito de dizer qual é a terra. Quando se coloca todo o direito sobre a demarcação retira-se o direito à terra, porque então ele só existirá se houver demarcação. É isso que está escrito na PEC: que não há mais direitos originários sobre a terra. Muda-se a Constituição, eliminando-se um direito nela inscrito.”

Projeto de Lei (PL) 1.610, de 1996, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), dispõe sobre aexploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas. Foi apresentado a pretexto de defender o “interesse nacional” (a ser explorado pela iniciativa privada, conforme o Código de Mineração). Se aprovado, irá se converter em lei complementar ao artigo 231 (Capítulo VIII) da Constituição. O senador pediu regime de urgência. Quer votar, portanto, sem muita discussão, e a matéria só não foi submetida à apreciação da Casa devido à mobilização em torno do tema. Na prática, talvez seja tão ou ainda mais danosa que a PEC 215. E não seria de duvidar que esta estaria sendo o boi de piranha, já que o governo mostrou-se receptivo ao PL 1.610.

Já o PL 227/2012, retrata cruamente um dos aspectos centrais do chamado “sequestro da democracia”, pelas instituições que deveriam expressá-las. Foi proposto pelo deputado Homero Pereira (PSD-MT), ex-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio, a princípio com redação que visava dificultar as futuras demarcações de terras indígenas. Fazia-o diluindo atribuições da Funai e incluindo, entre as comissões encarregadas de definir novos territórios, os proprietários de terra. Já em sua origem era, portanto, anti-indígena.

Mas tornou-se muito pior, ao tramitar pela comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural da Câmara. Sem que tenha havido debate algum com a sociedade, os deputados que integram a comissão transformaram inteiramente sua redação. Converteram-no numa lei que, se aprovada, revogará na prática, pela porta dos fundos, o Artigo 231 da Constituição.

Tal dispositivo trata dos direitos indígenas. Reconhece “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Estabelece uma única exceção: em situações extremas, em que houvesse “relevante interesse público da União” a exclusividade dos indígenas seria flexibilizada e seus territórios poderiam conviver com outros tipos de uso. Esta possibilidade, rara, precisaria ser definida em lei complementar.

Na redação inteiramente nova que assumiu, o PL 227/2012 é transformado nesta lei complementar. E estabelece, já em seu artigo 1º, um vastíssimo leque de atividades que poderão ser praticadas nas terras indígenas. Estão incluídas mineração, construção de hidrelétricas, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, oleodutos, gasodutos, campos de treinamento militar e muitos outros.

Um inciso (o VIII), de redação obscura, procura ampliar ainda mais as possibilidades de violação dos territórios índios. Estabelecer que é também “de relevante interesse público da União” a “legítima ocupação domínio e posse de terras privadas em 5 de outubro de 1988”. Embora pouco claro, o texto da margem a uma interpretação radical. A data mencionada é a da entrada em vigor da Constituição – quando foram reconhecidos os atuais direitos indígenas. Estariam legitimadas, portanto, os “domínios e posses de terras privadas” existentes antes da Carta atual. Em outras palavras, a legislação recuaria no tempo, para anular na prática, as demarcações que reconheceram território indígena e afastaram deles os ocupantes ilegítimos.

PEC 237, de 2013, é de iniciativa do deputado Nelson Padovani (PSC-PR), titular do PSC na Comissão Especial da PEC 215, integrante da comissão do PL 1.610 e um dos signatários do pedido de criação da CPI da FUNAI, uma das estratégias da Frente para enfraquecer o órgão federal, já penalizado por redução de verbas. Essa PEC, se aprovada, tornará possível a posse indireta de terras indígenas a produtores rurais na forma de concessão. Será a porta de entrada do agronegócio aos territórios demarcados, e essa possibilidade tem tirado o sono de indígenas e indigenistas.

Portaria 303, de iniciativa da Advocacia Geral da União (AGU) em 16/07/2012, é outro dispositivo quetolhe direitos indígenas, com tom autoritário, em especial no inciso V do art. 1º, em que o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional (!), à instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, à expansão estratégica da malha viária, à exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e ao resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), projetos esses que serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI.

É a pavimentação para o avanço econômico do capitalismo sem fronteiras, contrário à Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1989, de que o Brasil é signatário, e que assegura o direito de os povos indígenas serem consultados, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos.

Todas essas iniciativas legais têm por objetivo possibilitar o avanço do agronegócio e da exploração de lavras minerais sobre as terras indígenas. Assim se permitiria inclusive a intrusão em territórios de nações não contatadas. Basta um simples olhar na autoria dos projetos, na trajetória negocial de seus autores e apoiadores, em suas relações comerciais com o agronegócio nacional e estrangeiro e na sua atuação articulada através de uma Frente Parlamentar para se ter certeza de que o interesse econômico é privado, setorista e excludente, em nada aparentado ao interesse nacional, do bem comum ou da União. Se há diversificação de interesses nos projetos, não é na razão direta da fome, mas de lucros, do agronegócio, da bancada ruralista, das mineradoras, das madeireiras empreiteiras.

– Marcelo Degrazia é escritor. Autor de A Noite dos Jaquetas-Pretas e do blog Concerto de Letras

Índios fazem enterro simbólico de ministros e parlamentares em Brasília

 Grupo protesta desde terça contra mudanças nas demarcações de terras.

Índios usaram imagens de Gleisi Hoffmann, Adams, Caiado e Kátia Abreu.

Fabiano CostaDo G1, em Brasília

Índios fazem enterro simbólico de ministros e deputados (Foto: Fabiano Costa/G1)Índios fazem enterro simbólico de ministros e parlamentares em frente ao Congresso (Foto: Fabiano Costa/G1)

Inconformados com projetos de lei que atingem povos indígenas, cerca de 1,5 mil índios de todo o país fizeram um enterro simbólico de parlamentares e ministros no gramado em frente ao Congresso Nacional. Líderes indígenas também entregaram um documento a deputados listando as reivindicações de mais de cem etnias que vieram a Brasília protestar contra propostas que tramitam no parlamento.

Pajés fazem ritual em torno da cova simbólica (Foto: Fabiano Costa/G1)Pajés fazem ritual em torno da cova simbólica (Foto: Fabiano Costa/G1)

Os índios criticam, entre outros projetos, a Proposta de Emenda à Constituição que altera as regras de demarcação de reservas indígenas. Em razão da pressão dos indígenas, o presidente em exercício da Câmara, deputado André Vargas (PT-PR), sinalizou nesta quarta que a tendência é que a PEC 215 seja arquivada.

Para registrar a insatisfação com os projetos de lei, os índios decidiram promover um enterro de congressistas da bancada ruralista e integrantes do governo federal que eles consideram inimigos da causa indígena.

Sob os olhares de parlamentares, os índios cavaram uma cova nos gramados do parlamento e depois de cobri-la com terra cravaram cruzes de madeira com as fotos do líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), e dos ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União).

Encerrada a sepultura, pajés (sacerdotes indígenas) fizeram um ritual religioso em volta da cova. Enquanto isso, dezenas de índios cantavam e dançavam.

A Polícia Militar do Distrito Federal fez um cordão de isolamento diante da fachada do Legislativo para evitar invasões. Na véspera, os mesmo índios tentaram entrar sem autorização no Congresso, mas foram contidos pelos policiais. Nesta quinta, entretanto, não houve registro de tumultos.

Em outro ponto do gramado, índios queimaram uma cópia da PEC 215 e depois a enterraram em uma cova simbólica.

Reivindicações

Os caciques que viajaram à capital federal para protestar contra os projetos de lei entregaram nesta quinta (3) a oito parlamentares um documento de quatro páginas com reivindicações dos povos indígenas de todo o país. Receberam o manifesto indigenista os deputados Ivan Valente (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Janete Capiberibe (PSB-AP), Lincoln Portela (PR-MG), Erika Kokay (PT-DF), Amauri Teixeira (PT-BA), Domingos Dutra (PT-MA) e Benedita da Silva (PT-RJ).

O ofício foi batizado de “declaração da mobilização nacional em defesa da Constituição Federal dos direitos territoriais indígenas, quilombolas, de outras populações e da mãe natureza”. No texto, os caciques dizem “repudiar” supostos ataques do governo federal contra as etnias indígenas. Os índios também acusam no documento a bancada ruralista de estar agindo “a serviço de interesses privados”.

“Nós caciques e lideranças indígenas de todo o Brasil (…) repudiamos de público os ataques do governo da presidente Dilma Rousseff e parlamentares, majoritariamente ruralistas do Congresso Nacional, contra os nossos direitos originários e fundamentais, principalmente os direitos sagrados à terra, territórios e bens naturais garantidos pela Constituição Federal de 1988”, escreveram os índios representados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Além da PEC 215, os índios reclamam do projeto de lei complementar que define os bens de relevante interesse público da União para fins de demarcação de terras indígenas. Segundo Sônia Guajajara, uma das lideranças indígenas do povo Guajajara, do Maranhão, o PLP 227/12 preocupa mais os índios do que a PEC que modifica as regras das demarcações.

Sônia enfatizou que os índios ainda vão ficar mais alguns dias em Brasília “para mostrar ao país que os povos indígenas estão vivos”. “O que pode nos calar é o arquivamento de todas essas medidas anti-indígenas que estão aí”, ressaltou.

Direitos de índios podem ser aniquilados, diz Presidente da Funai

 

  • Edison Bueno/Funai

    Em entrevista à BBC Brasil, nova presidente, Maria Augusta Assirati, diz que proposta de transferência de demarcação para Legislativo deixa índios em situação mais delicada desde Constituição de 88, que faz 25 anos nesta semana

    Em entrevista à BBC Brasil, nova presidente, Maria Augusta Assirati, diz que proposta de transferência de demarcação para Legislativo deixa índios em situação mais delicada desde Constituição de 88, que faz 25 anos nesta semana
Grande marco para o reconhecimento dos direitos de indígenas no Brasil, a Constituição de 1988 completa 25 anos nesta semana. Para a presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Maria Augusta Assirati, não há razões para celebrar.

Nas últimas semanas, congressistas da bancada ruralista aumentaram a pressão para alterar um ponto da Carta que, segundo Assirati, trata de uma questão essencial para a sobrevivência desses povos. Eles querem transferir do Poder Executivo para o Legislativo a competência de demarcar terras indígenas.

A ação, diz a presidente da Funai, pode retardar ou até impedir novas demarcações.

“Este é, de fato, o momento mais delicado desde a promulgação da Carta”, afirma Assirati, que assumiu a chefia do órgão oficial indigenista em junho.

Em entrevista à BBC Brasil, ela diz que mesmo dentro do governo a Funai enfrenta obstáculos para executar seu trabalho. Segundo Assirati, declarações públicas de órgãos oficiais criaram um ambiente “totalmente desfavorável” a novas demarcações, atrasando processos em quase todo o país.

Afirma ainda que o governo não estava preparado para a complexidade da construção da usina de Belo Monte, no Pará. Em vez de mitigar os efeitos da obra entre indígenas, diz a presidente da Funai, as ações da construtora voltadas a esses povos causaram “impactos enormes, alguns deles irreversíveis”.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na sede da Funai na segunda-feira.

BBC Brasil – Na semana em que Constituição de 1988 completa 25 anos, índios protestam em vários pontos do país e dizem enfrentar as maiores ameaças a seus direitos desde a promulgação da Carta. Concorda com a avaliação?

Maria Augusta Assirati – Concordo. Em 1988, tivemos um conjunto de avanços, como a garantia territorial e a valorização de crenças e tradições, e passamos a implementar esses direitos. Houve algumas tentativas de reduzir e rediscutir esses direitos, mas essas tentativas nunca foram tão claras como agora.

Está em curso um conjunto de proposições no Congresso para rever a própria Constituição. Este é, de fato, o momento mais delicado desde a promulgação da Carta.

BBC Brasil – Quais propostas mais preocupam?

Assirati – As que transferem parcela da atribuição no processo de demarcação ao Congresso. Além da inconstitucionalidade dessas propostas, porque ferem cláusula pétrea, da separação de Poderes, elas revertem um direito originário. Elas poderiam retardar ou impedir o avanço das demarcações no país.

Também nos preocupam proposições para regulamentar o parágrafo da Constituição que define o que é de relevante interesse nacional e, portanto, estaria excluído da possibilidade de demarcações. Nesse contexto de busca de avanço territorial do agronegócio, isso poderia representar um impacto muito negativo.

Há ainda propostas que podem colocar em risco inclusive demarcações já realizadas, o que causaria uma completa aniquilação de direitos já conquistados pelos indígenas.

BBC Brasil – O governo está negociando essas propostas com os congressistas? No início do ano, numa aparente tentativa de acalmar os ânimos, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que o governo iria alterar o processo de demarcação.

Assirati – Para nós (Funai), não há possibilidade de negociação. Muitas vezes, pessoas contrárias a demarcações entendem que há subjetividade grande e que poderia haver diálogo para que outros interesses fossem contemplados no processo.

Quando se fala de pequenos agricultores, de pessoas que usam terra para produção comunitária, como quilombolas e ribeirinhos, é evidente que o Estado deve buscar equilibrar esses direitos.

Mas esses argumentos têm sido usados em defesa de um uso da terra para a produção econômica e para o crescimento econômico pura e simplesmente. Compatibilizar demarcações com essas intenções é difícil, porque você está tratando de um direito que conflita com um interesse, e não com outro direito.

BBC Brasil – Quais serão as mudanças no processo de demarcação?

Assirati – Poderemos dar mais transparência aos critérios que levam à identificação e delimitação de uma área de ocupação tradicional pela Funai.

A segunda coisa é: quando oponentes a processo de identificação e delimitação têm alguma divergência, essas contestações hoje são analisadas e julgadas pela própria Funai. Acho que não haveria prejuízo se outro órgão, e no meu entendimento esse órgão seria o Ministério da Justiça, avaliasse essas contestações.

BBC Brasil – E quanto à inclusão de outros órgãos no processo, como a Embrapa, conforme a ministra Gleisi aventou?

Assirati – Se o órgão tiver informação que possa contribuir com a demarcação, essa contribuição é bem-vinda. Mas somos contra a possibilidade de uma intervenção tendente a inviabilizar o processo.

BBC Brasil – Quanto de terra ainda falta a demarcar no Brasil?

Assirati – Do total que havia para ser demarcado em 1988, faltam cerca de 3%. Mas desde então houve surgimento de outras comunidades, dissidentes, e avaliamos que áreas para certos grupos são insuficientes. Então são um pouco mais do que aqueles 3%.

BBC Brasil – O governo Dilma tem homologado menos terras indígenas que os anteriores, e há 21 processos de demarcação parados no Ministério da Justiça ou na Presidência sem qualquer contestação judicial. Por que o ritmo das demarcações diminuiu?

Assirati – Logo que a Constituição foi promulgada, demarcaram-se áreas muito grandes, sobretudo na Amazônia. Ficaram para as etapas presentes áreas mais antropizadas, onde há maior dificuldade de trabalhar, no Centro-Oeste, Sul e Sudeste.

Mas, de fato, há processos que não tiveram andamento. Eles tramitaram, seguiram ao Ministério da Justiça, seguiram eventualmente até a Casa Civil, que é quem faz a pré-análise do processo de homologação para a presidente Dilma, mas não tiveram nenhuma conclusão.

BBC Brasil – Por quê?

Assirati – Essa pergunta que tem de ser feita aos outros órgãos (Ministério da Justiça, Casa Civil e Presidência). Muitos desses processos não caminharam por justificativa de que instaurariam conflitos na região, mas não temos elementos para afirmar que em todas essas áreas isso ocorreria.

Demarcar terra indígena nunca será ação que gere zero conflito. Mas não é somente a delimitação que faz com que o conflito ecloda, há um conjunto de situações precedentes, como problemas históricos de ordenamento fundiário.

BBC Brasil – Chegou-se a um acordo para solucionar conflitos que envolvem indígenas no Mato Grosso do Sul?

Assirati – Sim. Pensamos na seguinte solução: o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que anda com dificuldade para encontrar áreas para fazer reforma agrária, compraria terras do Estado do Mato Grosso do Sul para realizar esses assentamentos.

E os recursos da venda das terras contribuiriam para que o Estado pagasse produtores rurais de áreas que estão em litígio judicial [devido a processos demarcatórios]. Assim, os produtores sairiam da área e poderiam comprar outras terras.

Isso foi pensado para a situação da fazenda Buriti [onde em maio um índio terena morreu em ação de reintegração de posse; pouco depois, a então presidente da Funai, Marta Azevedo, deixou o posto], mas poderia ser ampliado para outras terras indígenas.

BBC Brasil – Por que essa solução ainda não foi aplicada?

Assirati – A solução tem apresentado dificuldades porque o Estado (MS) não indicou um banco de terras e tem colocado dificuldades em relação à avaliação dos valores de terras. Isso tira a credibilidade dos envolvidos nesse processo.

BBC Brasil – No começo do ano, anunciou-se que a ministra da Casa Civil teria determinado a paralisação de demarcações no Sul. Isso de fato ocorreu?

Assirati – Nunca fomos oficialmente notificados, mas tivemos notícia de que alguns governadores teriam solicitado à Casa Civil que adotasse essa medida, e a Casa Civil determinou que se paralisassem demarcações no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

BBC Brasil – Então as demarcações continuam como sempre?

Assirati – Mais ou menos. Esse cenário colocou um ritmo diferente para as demarcações, porque essas manifestações públicas e declarações oficiais de órgãos do governo deram muita força a produtores rurais e a agentes públicos contrários à demarcação.

Em algumas situações, quando tentávamos avançar, tivemos impedimento. Não um impedimento explícito do governo federal, mas de agentes locais.

Criou-se uma conjuntura totalmente desfavorável, em que aqueles contrários às demarcações buscavam instrumentos para paralisar ou retardar processos, seja via judicial, via articulação política ou pela intimidação de servidores da Funai. Isso trouxe um novo ritmo aos processos de demarcação em quase todo o Brasil.

BBC Brasil – Como anda o cumprimento das compensações a indígenas pela construção da usina de Belo Monte?

Assirati – Houve um atraso enorme e muitas condicionantes não foram cumpridas. Mesmo antes de o empreendedor começar a trabalhar, já havia mudança completa no modo de vida das pessoas da região.

Houve um afluxo enorme de pessoas a Altamira, e algumas ações para diversas populações indígenas foram pensadas de forma emergencial. Essas ações não conseguiram preparar a intervenção do empreendedor na região.

Isso causou impactos enormes, alguns deles irreversíveis.

BBC Brasil – Que tipo de impactos?

Assirati – Comunidades rachadas, comunidades aldeadas que passaram a viver quase 100% de seu tempo na cidade, e com isso deixaram de plantar. Passaram-se dois anos na região de Altamira sem que comunidades que tradicionalmente são agricultoras plantassem um pé de mandioca, porque ficavam o tempo inteiro indo a Altamira solicitar lista de compras para o empreendedor.

Isso mudou hábitos alimentares, deixou indígenas que ficavam na cidade confinados numa Casa do Índio em condições extremamente precárias. Houve brigas e mortes de indígenas nessa situação de confinamento e enfrentamento étnico. As consequências foram muito graves.

BBC Brasil – Os problemas estão sendo contornados?

Assirati – Estamos conseguindo entrar no eixo. Estamos priorizando um programa para que indígenas pudessem ao menos voltar a se relacionar com seu modo de vida tradicional na aldeia. Agora há um número menor de indígenas frequentes em Altamira, mas estamos atrasados.

BBC Brasil – Quem é responsável por essa situação?

Assirati – Nenhum dos atores envolvidos estava preparado para a complexidade social, étnica e de relações públicas que foi Belo Monte. Não estavam preparados para chegar a uma cidade como Altamira, onde havia carência total do Estado.

Parte da população passou a acreditar que o empreendimento seria a grande solução para todos dali.

BBC Brasil – Quais foram as falhas da Funai no processo?

Assirati – Não estávamos preparados para um empreendimento que envolveria dez etnias, mais de dez terras indígenas. Só o componente indígena do EIA-Rima (estudo de impacto ambiental) de Belo Monte tem dez volumes. Era impossível se apropriar de todos os detalhes técnicos.

Tivemos uma série de situações imprevistas, como ocupações de canteiro, e isso levava o empreendedor e órgãos do governo a atender as demandas pontuais dos índios. A Funai esteve presente em todas essas discussões. Os indígenas faziam pedidos, o empreendedor dizia que era possível, e a Funai ficava sem protagonismo e sem força para reverter essa lógica.

Em 2012, encerramos a cooperação com a Norte Energia no trabalho de questões emergenciais e passamos a pensar em políticas públicas para acabar com a lista de compras, combustível, veículos e tudo o que circulava nos balcões em Altamira. Temos um grande passivo para reverter.

BBC Brasil – A Funai teme que os problemas de Belo Monte se repitam na bacia do Tapajós? O órgão foi comunicado sobre intenção do governo de construir hidrelétricas na área?

Assirati – Essa informação chegou à Funai há algum tempo. Apontamos preocupações e continuamos tendo essas preocupações.

Há no Alto Tapajós algumas terras indígenas bastante conservadas. No Médio Tapajós, há aldeias muito próximas de centros urbanos, com problemas como atividades ilícitas nas terras indígenas e apropriação de índios para trabalhos irregulares.

Achamos que, se é pra fazer empreendimento desse porte, antes precisa haver no mínimo cinco anos de investimento em ações do Estado na área.

Índios articulam protesto em frente ao Congresso – Funai “reconhece legitimidade”

RUBENS VALENTE

DE BRASÍLIA

Índios, indigenistas, ambientalistas e entidades ligadas aos direitos indígenas articulam um protesto em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. A manifestação está marcada para as 16h de terça-feira (1°). Atos públicos ao longo de semana também devem acontecer em mais três capitais: São Paulo, Belém (PA) e Rio Branco (AC).

Os organizadores pretendem reunir em Brasília 1,2 mil índios de diversas etnias no país, o que seria o maior ato indígena na Esplanada dos Ministérios desde 2011, início do governo Dilma Rousseff.

Na quarta-feira (2), os organizadores pretendem reunir manifestantes a partir das 17h no vão do Masp, em São Paulo. Há também protestos convocados para a frente das embaixadas brasileiras em Berlim e Londres.

Os protestos são convocados pela organização não governamental Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que congrega algumas das principais entidades indígenas sediadas no Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e apoiados pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Isa (Instituto Socioambiental), CTI (Centro de Trabalho Indigenista), Comissão Pró-Índio de São Paulo, Greenpeace e Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas, dentre outros.

Os protestos têm como tema a “defesa da Constituição”, que completa 25 anos de promulgação no próximo dia 5. O artigo 231 diz que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

O pano de fundo dos protestos são as ameaças vindas do Executivo e do Legislativo, com apoio da bancada ruralista, para alterar e dificultar o atual sistema administrativo de demarcação de terras indígenas no país. O governo federal e a Câmara analisam propostas que esvaziam os poderes atuais da Funai (Fundação Nacional do Índio) na delimitação dos territórios. A organização do protesto levou a Funai a emitir uma nota na última sexta-feira (27), na qual “reconhece a legitimidade” dos protestos.

“A Funai, órgão público federal coordenador da política indigenista do Estado brasileiro, que tem como missão institucional a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, reconhece a legitimidade da mobilização e dos objetivos que pautam essa ação organizada pelo movimento indígena, e considera relevante o debate sobre os rumos da política indigenista do Brasil, sobretudo face às recentes inciativas e proposições que tendem a restringir o núcleo constitucional relativo aos direitos desses Povos, especialmente os territoriais”, diz a nota.

Indígenas e indigenistas acusam o governo Dilma Rousseff de ser leniente na demarcação de terras indígenas e ceder às pressões da bancada ruralista. Os ruralistas afirmam que há demarcações sem critérios técnicos e baseadas em laudos antropológicos questionáveis.

Em maio, durante uma tensa audiência na Comissão de Agricultura da Câmara organizada pelos parlamentares ligados ao agronegócio, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, criticou a Funai e disse que o governo estava preparando um novo modelo para a demarcação de terras. A mudança incluiria ouvir órgãos ligados à agricultura no processo que define os limites de novas áreas indígenas.

“A Funai não está preparada, não tem critérios claros para fazer gestão de conflito, não tem capacidade para mediação”, disse Gleisi na ocasião, ressalvando ser “errado dizer que a Funai é criminosa”.

Em junho, a imprensa informou que o governo apressava o passo para definir mudanças no sistema de demarcação. À imprensa, Gleisi negou que esteja em curso um processo de esvaziamento da Funai. Ela disse que a palavra do órgão “não vai ser desconsiderada de maneira nenhuma”, por meio de laudos antropológicos.

“Nós queremos apenas ter instrução de outros órgãos para que a gente possa basear as decisões. Porque a decisão de demarcações não é uma decisão só da Funai. Ela sobe para o ministro da Justiça e para a presidente”, disse Gleisi, na época.

Outros vários sinais contrários à Funai vêm do Legislativo. Uma proposta de emenda à Constituição datada do ano 2000 (PEC 215), de autoria do deputado Almir Sá, ex-PPB de Roraima, voltou a tramitar no ano passado na Câmara dos Deputados. A medida prevê retirar do Executivo a atribuição exclusiva de delimitar terras indígenas.

Em abril, dezenas de índios invadiram o plenário do Congresso Nacional para protestar contra a criação de uma comissão, determinada pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para analisar a tramitação da PEC.

A Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas abriu ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar suspender a tramitação da PEC. No último dia 20, contudo, o ministro Luís Roberto Barroso negou o pedido de liminar.

Editoria de Arte/Folhapress
 Fonte: FOLHA UOL

Incêndios de origem criminosa já consumiram mais de 20% da vegetação da TI Marãiwatsédé

Prevfogo combate incêndio criminoso na Terra Indígena Maraiwatsede

Assessoria Ibama – Terra Indígena Maraiwatsede, localizada no município de Alto Boa Vista (1019 quilômetros de Cuiabá/MT), tem sido alvo de inúmeros focos de incêndios de origem criminosa. Com uma área total de 165.000 hectares, estimativa-se que 31.000 hectares já formam queimados.O Centro Especializado de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Prevfogo/Ibama) está combatendo o fogo com os brigadistas do Assentamento Bordolândia. A situação está difícil para o combate em virtude da ação criminosa de vândalos que estão ateando fogo em várias partes da Terra Indígena.  Dados de satélites utilizados pelo Prevfogo, para monitorar os focos de calor na região, registram a maioria está localizada próxima das rodovias que cortam ou circundam a área indígena.Segundo o coordenador estadual do Prevfogo, analista ambiental Cendi Ribas, desde janeiro foram detectados 888 focos de calor nas terras indígenas de Mato Grosso. “Nos últimos 30 dias, período proibitivo de queimadas, foram detectados 654 focos. Só na TI Maraiwatsede foram 120 focos.”O Corpo de Bombeiros do estado foi acionado e estará enviando uma equipe de Barra do Garças para ajudar os brigadistas no combate aos incêndios.

Forças policiais estão sendo solicitadas para identificar e prender os criminosos ambientais. Os danos para o meio ambiente são elevados, pois, além dos gases emitidos para a atmosfera, a biodiversidade da região será bastante comprometida com o fogo. Há, também, o risco do fogo perder o controle e atingir lavouras e propriedades fora da terra indígena.

Fontes:

http://www.ibama.gov.br/publicadas/prevfogo-combate-incendio-criminoso-na-terra-indigena-maraiwatsede

http://www.agenciadanoticia.com/noticias/geral/2569879/fogo-ja-atingiu-cerca-de-31-mil-hectares-na-reserva-indigena-maraiwatsede

http://www.portugaldigital.com.br/sociedade/ver/20079394-incendios-de-origem-criminosa-ja-consumiram-20-da-vegetacao-da-reserva-dos-indios-maraiwatsede

http://www.pautasocioambiental.com/2013/08/prevfogo-combate-incendio-criminoso-na.html

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MEUS COMENTÁRIOS:

A notícia acima data de 26 de agosto de 2013. Hoje, sabe-se que a devastação é bem maior, chegando a atingir cerca de 50% do território xavante de Marãiwatsédé. Importante destacar que uma grande operação de detrusão de invasores foi executada entre outubro de 2012 a fevereiro de 2013, com a participação da FUNAI, Polícia Federal, Força Nacional e Exército Brasileiro, com a retirada de cerca de 3.000 famílias, que atuam com o apoio de latifundiários e políticos da região, inclusive senadores, deputados federais, deputados estaduais, prefeitos e vereadores.

O custo elevadíssimo dessa operação tende a ser perdido, uma vez que as forças policiais hoje presentes na Terra Indígena Marãiwatsédé são insuficientes para conter a fúria dos invasores, e mesmo estas deverão deixar a região até 30 de outubro, ficando, os indígenas, à mercê dessa horda de bandidos, que disseram publicamente que voltarão a invadir a Terra Indígena Marãiwatsédé, tão logo as forças policiais deixem a região.

Se isso acontecer, será caracterizado o enorme desperdício de dinheiro público e o tremendo descaso do atual governo federal com relação à proteção dos povos indígenas. Mais do que sabido e notório é o envolvimento do governo Dilma com a famigerada e maldita Bancada Ruralista de Kátia Abreu (o advogado que representa a Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missu¹, entidade que defende os invasores, é Luiz Alfredo Abreu, irmão da senadora), Blairo Maggi (ex-governador do Mato Grosso e atual presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado) e Ronaldo Caiado (ex-presidente da UDR, União Democrática Ruralista).

Comprovam esse vínculo perverso de Dilma Rousseff com os latifundiários os recentes pronunciamentos de Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil da Presidência da República (e candidata ao governo do Paraná em 2014), que tirou da FUNAI a autoridade para demarcar terras indígenas, prerrogativa exclusiva da Fundação Nacional do Índio, conforme rege o Artigo 231 da Constituição Federal, e delegou, aos “inimigos dos índios” do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o poder de vetar trabalhos antropológicos destinados a fundamentar a delimitação das terras indígenas, com base no referido Artigo:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

     § 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

      § 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

      § 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

     § 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

      § 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

      § 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

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¹ A Fazenda Suiá-Missu, com meio milhão de hectares, foi “criada”, nos anos 1950, em território xavante, por Ariosto Da Riva – um especialista no “desbravamento” de áreas virgens, abrindo fazendas, formando cidades, removendo índios e posseiros pobres e sem título de propriedade, vendendo terra. Fazia a famosa “limpeza de área”, que valoriza títulos de terra e gera uma “peculiaríssima” renda fundiária.

Em 1961, Da Riva associou-se ao grupo Ometto, de São Paulo, especializado no cultivo de cana e na produção de açúcar. A área da Suiá-Missu, em território xavante, saltou para 800 mil hectares, na época, o maior latifúndio brasileiro.

Hoje, o território xavante de Marãiwatsédé ocupa uma pequena parcela de seus domínios tradicionais, cercado por latifúndios, assentamentos do INCRA e pequenas cidades, como Alto Boa Vista. São esses invasores que ameaçam retomar as áreas invadidas e expulsar os indígenas do que resta de sua terra.