Política indigenista de Bolsonaro remonta ao “período do horror e da barbárie” de 40 anos atrás.

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Um retrocesso de mais de 40 anos que retoma a política integracionista indígena que levou à tragédia do extermínio em massa dos povos originais do Brasil e à impunidade de seus autores. É dessa forma que é vista a política indígena do governo Jair Bolsonaro (PSL) na nota técnica produzida pelo sub-procurador da República, Antonio Carlos Alpino Bigonha, que analisou aspectos jurídicos da Medida Provisória 870, do dia 1º de Janeiro de 2019, e a sua repercussão sobre os direitos dos povos indígenas.

Na peça, Bigonha realiza um levantamento histórico da política indigenista e revela que foram os próprios militares que criaram em 1967 a Fundação Nacional do Índio (Funai) em substituição ao antigo Serviço de Proteção Indígena (SPI) que, vinculado à pasta da Agricultura, promoveu o extermínio de povos indígenas com a impunidade dos autores, conforme descrito no chamado “Relatório Figueiredo“, produzido à época por uma Comissão de Inquérito constituída pelo Ministro do Interior, repercutido em jornais de todo o mundo.

“Pelo exame do material infere-se que o Serviço de Proteção aos Índios foi antro de corrupção inominável durante muitos anos. O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. É espantoso que existe na estrutura administrativa do País repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos, em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça”, diz o relatório citado pelo sub-procurador.

Para Bigonha, a MP de Bolsonaro “ao transferir a demarcação das terras indígenas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a supervisão da Funai para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos operou a repristinação da velha política integracionista do direito antigo e obrigou os índios e suas comunidades a um falso tratamento isonômico em relação aos demais atores da sociedade brasileira, tratamento este que desconsidera e viola, a um só tempo, suas peculiaridades culturais e seus direitos constitucionais”.

A repercussão entre os representantes dos povos indígenas fez com que houvesse uma grande mobilização internacional já nos primeiros dias do governo Bolsonaro. Para Sonia Guajajara, candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSol) e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho pelos Direitos dos Povos Indígenas, não há no governo Bolsonaro uma política para seu povo.

“O governo Bolsonaro promove tudo que há de mais catastrófico, parece um pesadelo cada declaração que ele anuncia, hoje foi a afirmação que vai rever as demarcações de terras indígenas e entregar a Amazônia para os EUA, como se não bastasse a afirmação que não haverá nenhum centímetro de terra indígena. Não temos dúvida que é o governo que deixará sua marca pautada no genocídio de nossos povos.”

Veja 10 medidas de Bolsonaro de desmonte da política indigenista no Brasil

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1) Transferência da Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Em seu parecer técnico, o subprocurador da República afirma que a subordinação da Funai ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos “infirma a diversidade preconizada pelo Constituinte e faz letra morta a Norma Maior, pois parte do pressuposto de que os valores dessas comunidades compõem um mero subsistema da ordem social geral e não um sistema próprio, indígena, tal como previsto na Carta Política”. Segundo ele, essa subordinação, já repelida pelo Superior Tribunal de Justiça, “parte do equívoco de considerar que o conceito de família indígena está contido no conceito de família em geral, que a cultura em geral contém a cultura indígena.

2) Entrega das pastas da Demarcação e licenciamento ambiental para o ruralistas (MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)

Segundo Bigonha, o MAPA voltou a ter a competência que ostentara desde os primórdios da República até o ano de 1967, quando esteve sob sua supervisão o SPI, incumbindo-lhe novamente, passados mais de 40 anos, as atividades de identificação, delimitação, demarcação e registro de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Para ele, ao retirar da Funai a competência para realizar os estudos para demarcação de terras indígenas, transferindo a matéria para o Ministério da Agricultura, Bolsonaro inviabilizou a promoção de uma política ambiental que respeite a convergência entre o usufruto exclusivo das terras indígenas e a preservação do meio ambiente nesses territórios, o que implica retrocesso repudiado pelo sistema da Constituição. “”A experiência extraída do assassinato indígena e da impunidade administrativa é um alerta contra o retrocesso ao período do horror e da barbárie”, diz em sua nota técnica.

3) Extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC)
Em sua breve passagem pelo Ministério da Educação, Ricardo Vélez-Rodriguez colecionou entre seus desmontes a decretação do fim da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, criada em 2004 com o objetivo de fortalecer a atenção especial a grupos que historicamente são excluídos da escolarização. Responsável por ações de diversidade, como direitos humanos e relações étnico-raciais, a secretaria tinha importância fundamental na educação dos povos indígenas.

4) Extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional)
A extinção do Consea impactou principalmente os Povos indígenas e as comunidades tradicionais. Por muitos anos o conselho vem travando um processo de monitoramento e acompanhamento da situação de Insegurança Alimentar junto a essas populações específicas.

O fim do Conselho travou a execução do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que levantou os aspectos técnicos ligados a urgência da demarcação de Terras Indígenas, pois o acesso ao Território é fundamental para que a alimentação seja cada vez mais próxima da Cultura Indígena.

O plano mencionava, ainda, que uma das metas a serem alcançadas pelo Ministério da Justiça (MJ), na época através da Fundação Nacional do Índio (Funai), seria: “constituir 6 reservas indígenas para atender os casos de maior vulnerabilidade de povos indígenas confinados territorialmente ou desprovidos de terras”. Caberia a estes órgãos, delimitar 25 Terras Indígenas, apoiar a elaboração e revisar os 20 Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA’s) e a implementação de ações integradas em 40 Terras Indígenas.

5) Aumento dos conflitos territoriais devido ao discurso que afirma “não haverá um centímetro de terra demarcada”
O discurso de Bolsonaro contra a demarcação de terras indígenas causou reflexo imediato em grupos de posseiros e ruralistas, que passaram a ameaçar e invadir áreas em vias de demarcação ou já demarcadas. Pelo menos 14 comunidades homologadas foram invadidas ou ameaçadas até o início de fevereiro – com pouco mais de um mês de governo.

“As invasões vão piorar”, diz Adriano Karipuna, liderança que tem enfrentado ameaças de madeireiros dentro de seu território, ao Repórter Brasil. “Bolsonaro prega que índio não precisa de terra, que não trabalha, que é como animal num zoológico. Quem já tinha maldade para fazer isso está agora recebendo apoio”.

6) Negociação e entrega da Amazônia a interesses e corporações nacionais e internacionais
Em entrevista à Rádio Jovem Pan nesta segunda-feira (8), Bolsonaro prometeu rever demarcações indígenas. Além disso, denunciou o que chamou de “indústria das demarcações” e avisou que quer “explorar a região amazônica com os Estados Unidos”.

7) Facilitação de posse de arma e incentivando o uso no campo
O decreto que facilita a posse de arma e o incentivo à manutenção de armas em propriedades rurais afeta diretamente os povos indígenas, que são constantemente ameaçados ou sofrem invasão de suas terras por ruralistas.

8) Determinação de municipalizar a saúde indígena, acabando com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)
Após voltar momentaneamente atrás da decisão de extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ainda estuda o fim do serviço, que administra os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) que existem no país, e que cuidam do oferecimento de serviços de saúde a essa população.

A possível extinção da Sesai provocou protestos em São Paulo, Brasília, Manaus e Porto Velho. Criada em 2010, a secretaria respondia a uma antiga demanda do movimento indígena: a de que as ações relativas à saúde dessas populações fossem tratadas em âmbito federal. Desde o surgimento da Sesai, o volume de recursos destinados para a saúde indígena aumentou.

9) Exploração e empreendimentos que impactam diretamente as terras indígenas com consequências irreversíveis para o meio ambiente, a cultura e modo de vida dos povos indígenas
No segundo mês de governo, Bolsonaro anunciou que a construção da hidrelétrica no Rio Trombetas (Oriximiná- Pará) é parte do plano para integrar a região norte ao “aparato produtivo nacional”. A região ao longo do Rio Trombetas é uma área de floresta ainda muito preservada na Amazônia, onde estão localizadas quatro Terras Indígenas, oito Terras Quilombolas e cinco Unidades de Conservação.

O governo já anunciou que não deve deve levar em consideração as ressalvas das comunidades indígenas em projetos que, em sua ótica, são imprescindíveis ao País. A medida fere a Convenção nº. 169/OIT que dispõe, em seu artigo 6º, “1.a” e “2”, que governos deverão consultar os povos indígenas cada vez que forem previstas medidas administrativas ou legislativas suscetíveis de afetá-los diretamente, de boa-fé, mediante procedimentos apropriados, e através de suas próprias instituições representativas, o que constitui o direito à consulta prévia, livre e informada.

A Convenção prevê ainda que os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de decidir suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento e de controlar o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural.

10) Estabelecimento de novo marco legal
Através de medidas administrativas, jurídicas e legislativas que afrontam ou suprimem o direito originário dos povos indígenas, o direito de ocupação tradicional, de posse e usufruto exclusivo das nossas terras, territórios e bens naturais.

Resistimos há 519 anos e continuaremos resistindo

ATL 2019“Nós, mais de 4 mil lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, representantes de 305 povos, reunidos em Brasília (DF), no período de 24 a 26 de abril de 2019, durante o XV Acampamento Terra Livre (ATL), indignados pela política de terra arrasada do governo Bolsonaro e de outros órgãos do Estado contra os nossos direitos, viemos de público manifestar:

Com a presença de 4 mil lideranças dos povos e organizações indígenas, o Acampamento Terra Livre (ATL) encerrou a sua 15ª edição na Praça dos Três Poderes com um recado claro a Bolsonaro.

  1. O nosso veemente repúdio aos propósitos governamentais de nos exterminar, como fizeram com os nossos ancestrais no período da invasão colonial, durante a ditadura militar e até em tempos mais recentes, tudo para renunciarmos ao nosso direito mais sagrado: o direito originário às terras, aos territórios e bens naturais que preservamos há milhares de anos e que constituem o alicerce da nossa existência, da nossa identidade e dos nossos modos de vida.
  2. A Constituição Federal de 1988 consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro. No entanto, vivemos o cenário mais grave de ataques aos nossos direitos desde a redemocratização do país. O governo Bolsonaro decidiu pela falência da política indigenista, mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir.
  3. Além dos ataques às nossas vidas, culturas e territórios, repudiamos os ataques orquestrados pela Frente Parlamentar Agropecuária contra a Mãe Natureza. A bancada ruralista está acelerando a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em conluio com os ministérios do Meio Ambiente, Infraestrutura e Agricultura. O projeto busca isentar atividades impactantes de licenciamento e estabelece em uma única etapa as três fases de licenciamento, alterando profundamente o processo de emissão dessas autorizações em todo o país, o que impactará fortemente as Terras Indígenas e seus entornos.
  4. O projeto econômico do governo Bolsonaro responde a poderosos interesses financeiros, de corporações empresariais, muitas delas internacionais, do agronegócio e da mineração, dentre outras. Por isso, é um governo fortemente entreguista, antinacional, predador, etnocida, genocida e ecocida.

Reivindicações do XV Acampamento Terra Livre

Diante do cenário sombrio, de morte, que enfrentamos, nós, participantes do XV Acampamento Terra Livre, exigimos, das diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro, o atendimento às seguintes reivindicações:

  1. Demarcação de todas as terras indígenas, bens da União, conforme determina a Constituição brasileira e estabelece o Decreto 1775/96. A demarcação dos nossos territórios é fundamental para garantir a reprodução física e cultural dos nossos povos, ao mesmo tempo que é estratégica para a conservação do meio ambiente e da biodiversidade e a superação da crise climática. Ações emergenciais e estruturantes, por parte dos órgãos públicos responsáveis, com o propósito de conter e eliminar a onda crescente de invasões, loteamentos, desmatamentos, arrendamentos e violências, práticas ilegais e criminosas que configuram uma nova fase de esbulho das nossas terras, que atentam contra o nosso direito de usufruto exclusivo.
  2. Exigimos e esperamos que o Congresso Nacional faça mudanças na MP 870/19 para retirar as competências de demarcação das terras indígenas e de licenciamento ambiental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e que essas competências sejam devolvidas ao Ministério da Justiça (MJ) e à Fundação Nacional do Índio (Funai). Que a Funai e todas as suas atribuições sejam vinculadas ao Ministério da Justiça, com a dotação orçamentária e corpo de servidores necessários para o cumprimento de sua missão institucional de demarcar e proteger as terras indígenas e assegurar a promoção dos nossos direitos.
  3. Que o direito de decisão dos povos isolados de se manterem nessa condição seja respeitado. Que as condições para tanto sejam garantidas pelo Estado brasileiro com o reforço das condições operacionais e ações de proteção aos territórios ocupados por povos isolados e de recente contato.
  4. Revogação do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU).
  5. Manutenção do Subsistema de Saúde Indígena do SUS, que é de responsabilidade federal, com o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a garantia da participação e do controle social efetivo e autônomo dos nossos povos e as condições necessárias para realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena. Reiteramos a nossa posição contrária a quaisquer tentativas de municipalizar ou estadualizar o atendimento à saúde dos nossos povos.
  6. Efetivação da política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade, assegurando a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos territórios etnoeducacionais. Recompor as condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.
  7. Implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e outros programas sociais voltados a garantir a nossa soberania alimentar, os nossos múltiplos modos de produção e o nosso Bem Viver.
  8. Restituição e funcionamento regular do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e demais espaços de participação indígena, extintos juntamente com outras instâncias de participação popular e controle social, pelo Decreto 9.759/19. O CNPI é uma conquista nossa como espaço democrático de interlocução, articulação, formulação e monitoramento das políticas públicas específicas e diferenciadas, destinadas a atender os direitos e aspirações dos nossos povos.
  9. Fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.
  10. Arquivamento de todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, tais como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 e os Projetos de Lei (PL) 1610/96, PL 6818/13 e PL 490/17, voltadas a suprimir os nossos direitos fundamentais: o nosso direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições, o direito originário e o usufruto exclusivo às terras que tradicionalmente ocupamos.
  11. Aplicabilidade dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que inclui, entre outros, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas. Tratados esses que reafirmam os nossos direitos à terra, aos territórios e aos bens naturais e a obrigação do Estado de nos consultar a respeito de medidas administrativas e legislativas que possam nos afetar, tal como a implantação de empreendimentos que impactam as nossas vidas.
  12. Cumprimento, pelo Estado brasileiro, das recomendações da Relatoria Especial da ONU para os povos indígenas e das recomendações da ONU enviadas ao Brasil por ocasião da Revisão Periódica Universal (RPU), todas voltadas a evitar retrocessos e para garantir a defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
  13. Ao Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicamos não permitir e legitimar nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal).

Realizamos este XV Acampamento Terra Livre para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos e que continuaremos em luta em âmbito local, regional, nacional e internacional. Nesse sentido, destacamos a realização da Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

Reafirmamos o nosso compromisso de fortalecer as alianças com todos os setores da sociedade, do campo e da cidade, que também têm sido atacados em seus direitos e formas de existência no Brasil e no mundo.

Seguiremos dando a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática, plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe Natureza e da Humanidade. Resistiremos, custe o que custar!

Brasília (DF), 26 de abril de 2019.

XV ACAMPAMENTO TERRA LIVRE
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)
MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA (MNI)

Regime Tutelar e Gestão Militar

Autor: João Pacheco de Oliveira, professor de Antropologia no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ)

Há algo novo na política indigenista brasileira, uma proposta (bem distinta!) de tutela militar. Ela não decorre de forma alguma da chamada “tradição indigenista”, ainda que procure se enobrecer com alguns enfeites que possam dar-lhe tal aparência. A sua origem é inteiramente distinta , procede da ideia de uma gestão militar sobre assuntos ou regiões conflitivas, que supostamente afetariam a ordem pública e se contrapõem aos interesses econômicos hegemônicos. São assim descendentes de grupos executivos estabelecidos para gerir áreas do território nacional em que se desenvolvem conflitos de uma tal envergadura que escapam ao controle das instituições existentes e das instâncias administrativas convencionais. São “filhos” e “netos” do GETAT e do Projeto Calha, “irmãos mais novos” das UPP’s e das “pacificações” urbanas.

Do que estamos falando? O GETAT, Grupo Executivo de Terras do Tocantins e Araguaia, que existiu de 1980 a 19871 , foi criado para gerenciar os conflitos fundiários e os deslocamentos de população em uma região afetada pela repressão à guerrilha do Araguaia e ao garimpo de Serra Pelada. O Projeto Calha Norte, “Segurança e Desenvolvimento nas Fronteiras na Calha Norte dos Rios Solimões e Amazonas” , foi aprovado em 1985, justamente na transição de governos militares a civis, possuindo jurisdição sobre ¼ da Amazônia Legal e 15% do território nacional. Ele propunha um “novo indigenismo”, que substituiria as Terras Indígenas (territórios étnicos, vistos por aqueles militares com suspeição, como freios ao desenvolvimento e ao poder nacional, virtuais “quistos étnicos”) por “colônias” (pequenas glebas de terras destinadas a “comunidades” rurais específicas, multiétnicas ou não). As “colônias” seriam unidades meramente locais, estabelecidas com finalidades “pragmáticas”, despojadas de uma dimensão ambiental e étnica, e jamais referidas a povos. A administração indigenista deveria subordinar-se inteiramente ao planejamento e às orientações dos organismos de segurança. A política de “pacificações” urbanas, implantada de 2008 a 2016 na cidade do Rio de Janeiro (que hospedou nesse período grandes eventos internacionais), operacionalizada através da criação de unidades policiais-militares especiais (as UPP’s), colocou as favelas e seus moradores sob a tutela militar direta, o que representava cerca de ¼ da população carioca.

As formas de atuação e os parâmetros legais de tais grupos executivos são totalmente distintos de outros setores da administração pública. Não se subordinam à malha burocrática hierárquica e paralisante de ministérios, secretarias e departamentos, mas se conectam diretamente a núcleos centrais de poder (Casa Civil da Presidência da República, Conselho de Segurança Nacional etc). Não estão sujeitos a cortes e limitações orçamentárias, nem se subordinam a procedimentos de rotina, frequentemente estão isentos até de processos de licitação. São unidades concebidas para intervenções temporárias, pensadas em uma lógica de guerra e de excepcionalidade, para lidar com populações identificadas como potencialmente “perigosas”.

Para tal perspectiva os indígenas não são objeto de uma representação fraterna e simpática, como formulada no período da Independência e no processo de formação da nação brasileira. Não são os índios do projeto civilizatório de José Bonifácio de Andrade e Silva, nem da literatura e da estética do indianismo do século XIX. Também não são os índios do indigenismo republicano, vistos como os nossos irmãos primitivos, os autóctones deste país, com relação aos quais devemos ter responsabilidades e deveres. Não, são os índios enquanto massa indiferenciada, um setor econômico que permanece atado a práticas e tecnologias pretéritas, portanto sem lugar no mundo
moderno. Constituem-se apenas como “obstáculos” ao desenvolvimento econômico e, quando esboçam qualquer forma de reação, logo são transformados em infratores das
leis e em uma ameaça à ordem pública.

Quem redigiu a Portaria 541, do Ministério da Justiça, de 06-07-2017, a meu ver, nada sabe nem mantém qualquer proximidade com o chamado indigenismo brasileiro, tão pouco vê a legislação, a baliza constitucional ou as normas administrativas como parâmetros para a sua ação. Tem apenas uma visão estratégica, tirar do caminho da expansão do agronegócio as comunidades rurais ai estabelecidas. Num excesso de lógica e de economia de estruturas administrativas veio até mesmo a situar os
quilombolas dentro da esfera de ação do novo grupo executivo. E por que não fazê-lo se os seus efeitos, considerados igualmente nefastos, afetam de maneira negativa o bloco de poder (econômico e político) dominante? Nem seria de estranhar que as suas conclusões ou “recomendações” afetassem igualmente as “populações tradicionais”… Como no antigo mundo colonial, o esforço em distinguir variações culturais, éticas ou identitárias é absolutamente menor, o que importa é incluir todos na categoria de “potenciais inimigos”.

A missão desse grupo de trabalho, com um mandato impressionantemente curto (15 dias), é fixar as regras e condições para que estruturas preexistentes, que lidam com
populações consideradas “perigosas”, passem a atuar em sintonia com os interesses do núcleo de poder existente. Ou seja, que sejam inteiramente protegidas das relações criadas com as populações que supostamente representam, bem como das injunções de um quadro jurídico-administrativo em vias de reformulação iminente.

Do regime tutelar – que orientou a fundação do SPI e ainda hoje norteia grande parte das práticas da agência indigenista, apesar da Constituição Federal de 1988 – nunca esteve ausente o elemento coercitivo e práticas repressoras, como tem sido indicado por diversas pesquisas e mais recentemente evidenciado por desdobramentos da Comissão Nacional da Verdade. Mesmo sem remontar a Rondon e a seus seguidores, a presença de militares também foi algo corriqueiro, especialmente de 1970 a 1984, isso abrangendo delegados regionais, diretores (de departamentos cruciais) até a Presidência do órgão, na qual estiveram quase sempre oficiais de patente superior das três armas.

As imagens divulgadas pela agência indigenista sobre os seus tutelados eram contudo positivas, os valores , leis e sistemáticas administrativas eram majoritariamente bem avaliados pela opinião pública e instituíam jogos micropolíticos característicos de um estilo de administração paternalista. Na qual, claro, os indígenas também deixaram as suas marcas e, em confronto, vieram a constituir novas formas de protagonismo. De toda forma, a agência indigenista continuava a representar o seu antigo papel, de fazer valer os direitos indígenas, apesar de dispor de pouco poder, eficácia e prestígio entre os aparelhos de Estado. Lentamente e com dificuldade os estudos para identificação de terras indígenas, que caminhavam no âmbito da FUNAI e se transformavam em propostas de delimitação, eram freadas ou mesmo paralisadas por instâncias governamentais superiores (Ministério do Interior, Ministério da Justiça ou Presidência da República).

Circula há muito nas esferas governamentais uma outra concepção sobre os indígenas, algo que não se enquadra naquele regime de alteridade. Os indígenas ali são vistos com suspeição e desconforto pois estão em rota de choque com um carro-chefe da economia brasileira (o agronegócio) e com aliados políticos importantes. No quadro parlamentar instalado com a nova legislatura e o impeachment da presidenta, nos cálculos do grupo no poder a aprovação da PEC 215/00 e de várias outras medidas limitativas dos direitos indígenas, não passam de uma questão de tempo, favas contadas como a recém-aprovada reforma trabalhista.

A preocupação se desloca agora para outros pontos. O primeiro, de caráter instrumental. Antecipando-se às mobilizações de indígenas e quilombolas, o governo golpista de Michel Temer convoca diferentes organismos da área de polícia e segurança para estabelecer diretivas de como lidar com manifestações contrárias que certamente terá que enfrentar. Nem sequer esqueceram de chamar a Polícia Rodoviária Federal para, em consonância com a agência indigenista, fixar procedimentos de como desobstaculizar estradas e pontes ocupadas por manifestantes (caso Munduruku com a Transamazônica, entre outros) e de prevenir acampamentos localizados em suas margens (caso Guarani e Kaiowá). O segundo é bem mais ambicioso e complexo – como e por que meios poderá a agência indigenista colocar em aplicação as leis reformuladas e totalmente rejeitada pelos indígenas? Uma gestão militar parece ser a resposta procurada pelo governo.

1 Almeida, Alfredo Wagner Berno de – O GETAT e a arrecadação de areas rurais como terra devoluta. Belém (PA). Instituto do Desenvolvimento Econômico-Social do Pará, 1985.

2 Pacheco de Oliveira, João – A segurança das fronteiras e o novo indigenismo: formas e linhagens do Projeto Calha Norte. in: Hébette, Jean (org.). O cerco está se fechando. Petrópolis, Vozes.1991.

3 Pacheco de Oliveira, João. Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios. Mana, vol.20, no.1, p.125-161. 2014.

4 Pacheco de Oliveira, João – O Nascimento do Brasil e outros ensaios. “Pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro, Contra Capa, 2016.

A pedido do ISA, cinco especialistas em direitos indígenas comentam portarias polêmicas sobre questão indígena

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Fonte: Instituto Socioambiental (ISA)

Os descaminhos do governo Temer na política indigenista acenderam novo sinal de alerta nas duas últimas semanas. No dia 6/7, o Ministério da Justiça publicou a Portaria 541/2017, que criava um grupo de trabalho para formular propostas para “integração social” de indígenas e quilombolas.

Diante da repercussão negativa, uma semana depois, publicou nova portaria, a 546/2017, substituindo a anterior. A nova norma trocava a expressão “integração social” por “organização social” e um integrante do grupo de trabalho. Fora isso, mantinha a composição do colegiado, formado por um integrante da Fundação Nacional do Índio (Funai) e todos os outros quatro de instituições da área de segurança: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.

No mesmo dia, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, confirmou o nome do general de reserva do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas na presidência da Funai. Ele ocupava o cargo interinamente e já havia sido indicado pelo PSC para o cargo, partido sem nenhuma tradição no trato da questão indígena.

Ainda para tentar contrapor as críticas das organizações indígenas e indigenistas às duas portarias e à nomeação, a Funai emitiu uma nota. Segundo o texto, o termo “integração” no texto da primeira norma não faria referência às comunidades indígenas e quilombolas, mas às atividades dos diversos órgãos que compõem a pasta.

“As expectativas principais elencadas pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, são no sentido de que haja uma integração de economia de meios dos órgãos do MJ no exercício de suas atividades em proveito das diversas demandas atinentes a cada órgão”, diz a nota. “É necessário ressaltar que o governo não quer organizar as comunidades indígenas, porque elas já são muito bem organizadas. O governo quer contribuir para que as políticas voltadas para o aperfeiçoamento da organização social dos indígenas sejam realizadas, garantindo o direito resguardado pela Constituição aos povos indígenas”, continua o texto.

“O ministro da Justiça convidou e colocou esse eixo de trabalho com a Funai para possamos apresentar demandas no que diz respeito ao aperfeiçoamento de políticas referentes à organização social, aos costumes, tradições, línguas e cultura dos povos indígenas, buscando em outros órgãos ações que venham beneficiar o cumprimento da missão institucional da Funai, contribuindo para a qualidade de vida dos povos indígenas”, afirma em nota (leia todo o texto).

Polêmica

A tentativa do governo de dizer que não quer “integrar” ou “organizar” as comunidades indígenas e quilombolas, no entanto, não foi suficiente para dissipar a polêmica. Para especialistas ouvidos pelo ISA, a nova portaria continua representando uma grave ameaça aos direitos indígenas, que se soma a outras, como os cortes de recursos destinados à Funai, a paralisação nas demarcações de Terras Indígenas e – algo que não acontecia desde 1991 – a nomeação de um militar para a presidência do órgão.

Para o jurista Carlos Frederico Marés, sócio fundador do ISA e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), a emenda saiu pior que o soneto porque a nova portaria nega a existência de uma organização social dos povos indígenas. “As organizações sociais dos povos indígenas e quilombolas são lícitas, reconhecidas e protegidas pelas leis brasileiras e internacionais, portanto qualquer proposta de extinção, modificação ou desconsideração viola o ordenamento jurídico e se constitui em crime lesa humanidade” (leia na íntegra da resposta).

Já para João Pacheco de Oliveira, professor de Antropologia no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), trata-se de uma nova política indigenista baseada na gestão militar de assuntos conflitivos. “A missão desse grupo de trabalho, com um mandato impressionantemente curto (15 dias), é fixar as regras e condições para que estruturas pré-existentes, que lidam com populações consideradas ‘perigosas’, passem a atuar em sintonia com os interesses do núcleo de poder existente”, afirma o antropólogo no artigo inédito “Regime Tutelar e Gestão Militar” (leia aqui toda a resposta).

Confira abaixo as opiniões de outros especialistas.

“Organização social não depende de ‘medidas e estratégias’ do poder público”

Manuela Carneiro da Cunha
Antropóloga, professora da Universidade de São Paulo

“Pelo teor da composição do Grupo de Trabalho, só se pode concluir que para o Ministro da Justiça, índios e quilombolas são assunto de polícia. O termo ‘integração’, que constava da primeira versão da portaria, já não figura na Constituição há quase trinta anos. Sua acepção de assimilação foi descartada. Substituir ‘integração’ por ‘organização’, como consta da segunda versão, é um disparate: a organização social de índios e quilombolas não depende de ‘medidas e estratégias’ do poder público. Ela é, pelo contrário, reconhecida como preciosa contribuição endógena à diversidade em nosso país”.

“Ministro da Justiça deveria convocar o CNPI e explicar como pretende garantir direitos indígenas”

Luis Donisete Benzi Grupioni
Secretário-executivo da Rede de Cooperação Amazônica (RCA)

“Estamos diante de um governo que sapateia direitos e enfraquece instituições, em passos retrógrados feito caranguejo em ressaca. O Ministério da Justiça preside o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) que reúne representantes indígenas de todas as regiões do país e de todos os ministérios que têm ações com os povos indígenas. O que faz o atual ministro Torquato Jardim? Ignora a existência do CNPI, não o convoca e cria um GT, com funcionários dos órgãos de segurança, para primeiro propor medidas de ‘integração social’ e agora para formular propostas à ‘organização social’ de índios e quilombolas. Algo desprovido de qualquer sentido. Ao invés de criar marolas má intencionadas, porque de boa fé essa portaria não tem nada, o Ministro da Justiça deveria convocar o CNPI e explicar como pretende garantir direitos indígenas enfraquecendo o órgão indigenista, paralisando demarcações e criando factóides do naipe dessa portaria. É lamentável.

“Mais um retrocesso do governo de Michel Temer em relação à política indigenista”

Márcio Meira
Antropólogo, historiador e ex-presidente da Funai

“A publicação dessa portaria, na minha opinião, representa mais um retrocesso do governo de Michel Temer em relação à política indigenista, se somando àquela famigerada que trata das demarcações de Terras Indígenas. Na verdade, elas fazem parte de um conjunto sinistro de medidas, que incluem o desmantelamento da Funai, tanto pela nomeação para cargos chave da instituição, de políticos que nada conhecem dos povos indígenas, quanto pelos cortes orçamentários que a asfixiam. Somam-se a tais medidas as perseguições a lideranças e organizações da sociedade civil, indígenas e indigenistas, como foi o caso da CPI da FUNAI e INCRA. No caso específico desta última portaria, ela deixa uma forte suspeita, pela sua composição policialesca, de desrespeito à autonomia dos povos indígenas, inclusive ferindo a Constituição Federal, que aboliu em 1988 todos os vestígios de uma suposta ‘integração’ dos indígenas, reeditando uma política tutelar e autoritária em relação aos povos indígenas”.

“Não cabe ao estado organizar as sociedade indígenas”

Aílton Krenak
Líder indígena e jornalista

“A Constituição Federal estabelece que são reconhecidas as formas de organização próprias das comunidades/sociedades indígenas. Suas organizações são pré-existentes, devem ser respeitadas. Não cabe ao Estado organizar as sociedade indígenas. Ainda estão devendo a reclamada discussão do Estatuto das Sociedades/Povos Indígenas, que dorme como uma pedra nas gavetas do Congresso Nacional/Senado. E na verdade, não é uma questão semântica entre ‘integração’ ou ‘organização’, mas uma clara ofensa à Constituição, e incitação a violência contra os Povos Indígenas. Uma provocação desses juristas de plantão do golpe.”

PORTARIA Nº 546, DE 6 DE JULHO DE 2017
O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, no uso de suas atribuições legais e com fundamento no art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, no Decreto nº 8668, de 11 de fevereiro de 2016, resolve:

Art. 1º Instituir Grupo de Trabalho com a finalidade de formular propostas, medidas e estratégias que visem a organização (integração) social das comunidades indígenas e quilombolas.

Art. 2º O Grupo de Trabalho será composto pelos seguintes servidores:
I – Juan Felipe Negret Scalia, da Fundação Nacional do Índio, coordenador do Grupo;
II – Alcir Amaral Teixeira, do Departamento de Polícia Federal;
III – Henrique Fontenelle Galvão dos Passos, do Departamento de Polícia Rodoviária Federal;
IV – Priscilla Oliveira, da Secretaria Nacional de Segurança Pública; e
V – Roberto Vanderlei de Andrade, da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas.

Art. 3º O Grupo de Trabalho terá o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar plano de trabalho.
Art. 4º O Grupo de Trabalho poderá convocar e convidar servidores e técnicos para apresentarem análises e relatórios necessários à elaboração dos trabalhos.
Art. 5º Aprovado o Plano de Trabalho pelo Ministro de Estado, o Grupo de Trabalho terá 30 dias para apresentar relatório.
Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
TORQUATO JARDIM

Parecer da Advocacia-Geral da União vale para todos os órgãos da administração federal e incorpora tese do “marco temporal”

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Michel Temer em um de seus almoços com a bancada ruralista, em Brasília

Fonte da notícia: Instituto Socioambiental (ISA)

O governo federal adotou uma orientação que restringe drasticamente os direitos indígenas à terra. O presidente Michel Temer aprovou um parecer da Advocacia-Geral da União que obriga toda a administração federal a incorporar elementos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol (RR), de 2009.

Na prática, grande parte dos processos de demarcação de TIs poderá ser revista e, em consequência, paralisada de vez. Em pouco mais de um ano de gestão, Michel Temer não assinou nenhum decreto de homologação e seus ministros da Justiça não publicaram nenhuma portaria declaratória de TI – as principais etapas do complexo procedimento de demarcação. Assim, o governo Temer poderá passar à história como o que menos reconheceu essas áreas desde a Redemocratização (veja aqui).

Entre outros pontos, o parecer proíbe a ampliação de TIs e estabelece que órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai) devem considerar que só têm direito à terra as comunidades indígenas que estavam na posse de seu território em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição – o chamado “marco temporal”. A tese é polêmica por minimizar o histórico de expulsões e violências sofridas por inúmeros grupos indígenas. Se ela prevalecer, um povo indígena que tiver sido retirado de suas terras à força e não conseguir comprovar isso não poderá reivindicar seu território.

A nova orientação era defendida há anos pela bancada ruralista e sua adoção faz parte da ofensiva de Michel Temer para impedir que o Congresso autorize o andamento da denúncia por corrupção feita pela Procuradoria-Geral da República. Temer acabou rifando os direitos territoriais indígenas em troca dos votos ruralistas. A votação da autorização para que a denúncia contra o presidente vá ao STF deve ocorrer no plenário da Câmara, na volta do recesso parlamentar, em agosto.

A assessoria da Funai informou que o presidente da instituição não poderia se manifestar sobre o parecer da AGU por estar em viagem ao Pará.

Processos em andamento

Conforme nota da AGU, as determinações contidas no parecer deverá ser aplicadas aos “processos de demarcação em andamento”. O texto afirma que a nova orientação “não inova na ordem jurídica, mas apenas internaliza para a administração pública um entendimento há muito consolidado pelo Supremo Tribunal Federal”. A justificativa da medida seria “uniformizar entendimentos e diminuir conflitos sociais e fundiários em todo o país” (leia a íntegra da nota da AGU).

A advogada do ISA Juliana de Paula Batista explica que o governo tomou a decisão política de impor a todos os seus órgãos uma interpretação que é a mais restritiva possível do direito indígena à terra, contida em uma única decisão que, além disso, não deve ser aplicada obrigatoriamente em outros julgamentos segundo o STF.

“Não podemos dizer que a decisão do caso Raposa Serra do Sol represente um ‘entendimento consolidado’ do STF porque esse julgamento trata de um único caso concreto que não tem efeito vinculante”, afirma. “Quando se trata de direitos fundamentais, como é o caso do direito dos índios à terra, a interpretação deve ser sempre a mais favorável à proteção das minorias, principalmente quando se considera o processo histórico de violências e vulnerabilidades enfrentado pelos povos indígenas”, argumenta.

“O que diminui os conflitos no campo é a demarcação das Terras Indígenas. Ao contrário, o que causa conflitos é a mensagem do Poder Executivo e do Congresso de que é possível mitigar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Essa é uma mensagem clara de um presidente que pretende se manter no cargo a qualquer preço, inclusive anistiando a grilagem de terras, a invasão de Unidades de Conservação e os desrespeito dos direitos dos povos historicamente violentados”, ressalta a advogada.

O parecer da AGU determina ainda que a política de Defesa Nacional, a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal, a instalação de equipamentos públicos, redes de comunicação e vias de transporte devem se sobrepor ao usufruto dos índios sobre suas terras. Na prática, isso quer dizer que as comunidades indígenas não precisam ser consultadas sobre ações desses órgãos e projetos como esses que ocorram em seu território.

“Essa medida é uma forma de negar o usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras definido na Constituição e o direito à consulta livre, prévia e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”, pondera Juliana de Paula.

Orientação antecipada

Em 2012, o então advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, publicou a Portaria 303, que incorporava as condicionantes estabelecidas na decisão da TI Raposa-Serra do Sol. Depois de protestos dos povos indígenas, no entanto, ele suspendeu a norma. A medida adotada agora por Temer é ainda mais grave porque deve ser cumprida por todos os órgãos federais, enquanto a Portaria 303 deveria ser obedecida apenas por aqueles subordinados à AGU, como as procuradorias e consultorias jurídicas dos ministérios e dos órgãos a eles vinculados aos ministérios.

A nova orientação foi antecipada pelo deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), um dos mais ferrenhos defensores de Michel Temer. Em um vídeo que circulou nas redes sociais, ele informa que o parecer da AGU foi acertado em uma reunião, em abril, com o então ministro da Justiça e também deputado ruralista, Osmar Serraglio, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, a advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, e o assessor da Casa Civil Renato Vieira. O encontro faria parte de uma série de negociações envolvendo também o ex-ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e o titular atual da pasta, Torquato Jardim.

No vídeo, Heinze diz que, a partir da adoção do parecer, todos os processos de demarcação de TIs em andamento serão revisados. “Na minha avaliação, mais de 90% dos processos que tem no Brasil são ilegais e serão arquivados”, aposta o parlamentar (veja o vídeo abaixo).

O deputado é o mesmo que, em outro vídeo, gravado em 2013, em Vicente Dutra (RS), diz que índios, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo o que não presta”. Na mesma gravação, ele e o também deputado ruralista Alceu Moreira (PMDB-RS) estimulam produtores rurais a contratar segurança privada para proteger suas propriedades e expulsar índios das terras que consideram como suas.

MPF ajuíza ação por violações cometidas contra Xavantes de Marãiwatséde durante a ditadura e pede indenização de R$ 129.837.000,00

A Fundação Nacional do Índio (Funai), a União, o Estado de Mato Grosso e 13 herdeiros das terras da fazenda Suiá-Missu respondem a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) por violarem os direitos dos povos Xavantes de Marãiwatsédé durante a ditadura. Entre os pedidos do MPF, destaca-se a realização de uma cerimônia na Terra Indígena Marãiwatsédé com a presença do primeiro escalão do Poder Executivo Federal e Estadual para que seja feito um pedido público de desculpas ao Povo Xavante pelas graves violações de direito perpetradas contra a etnia durante o regime militar.

Entre os diversos pedidos na ação, também consta a solicitação de pagamento de uma indenização no valor de R$ 129.837.000,00 à comunidade indígena, tendo em vista os danos morais e materiais decorrentes do período de 48 anos em que membros da etnia Xavante ficaram afastados de suas terras.

No texto da ação, que possui 81 páginas, o MPF faz uma contextualização histórica, em detalhes, de como se deu a remoção forçada da comunidade Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé, território tradicional, em meados de agosto de 1966, relatando a submissão da comunidade indígena a regime de trabalho análogo à escravidão, ao serem utilizados como mão-de-obra na Fazenda Suiá-Missu.
ALIANÇA A FERRO E FOGO
Apesar de o Governo de Mato Grosso ter cedido à União, em março de 1950, terras para demarcação do território Xavante, dando um prazo de dois anos para que o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão que antecedeu a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – demarcasse a área, o próprio Estado, em seguida, alienou-as para terceiros. A área foi adquirida por Ariosto da Riva que mais tarde se associou com a família Ometto para instalar na região a Agropecuária Suiá-Missu. Os primeiros contatos diretos com os indígenas ocorreram através do trabalho de abertura das picadas demarcatórias. Os indígenas tentavam resistir à invasão, mas o uso de armas de fogo tornou tais tentativas de defesa inócuas, causando a morte de inúmeros membros da comunidade.
Diante das violências a que o grupo indígena encontrava-se exposto, partiram para a aliança com o “inimigo”, cedendo à proposta de Ariosto de fundar uma nova aldeia perto da sede da fazenda, onde trabalharam na derrubada da vegetação nativa para formação de pistas de pouso de avião, de roças e de pastos para a criação de gado, recebendo apenas comida pelo serviço, “o que pode ser caracterizado como um regime de trabalho análogo à escravidão”, conforme o relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Todo processo, tanto de invasão e ocupação do território indígena quanto do uso forçado de sua mão de obra, foi permeado pela violência.
REMOÇÃO DO TERRITÓRIO TRADICIONAL
Depois de algum tempo, apesar de “pacificados”, os Xavante aldeados próximos a Suiá-Missu começaram a representar um incômodo aos proprietários da Fazenda, gerando atritos com os funcionários. Foi então que, pela primeira vez, os indígenas foram removidos de seu território, sendo levados para uma área de várzea, que permanecia inundada por oito meses ao longo do ano, impossibilitados de desenvolver as atividades produtivas necessárias à subsistência, sofrendo com a grande quantidade de mosquitos na região. A situação fez com que muitos nativos adoecessem e viessem a morrer ao longo dos três anos que permaneceram no local.
Foi então que, após esse período, houve a remoção do grupo dos Xavante da Marãiwatsédé para a Missão Salesiana de São Marcos, em 1966, “com consentimento e apoio de órgãos oficiais, especialmente o SPI e a Força Aérea Brasileira (FAB), que realizaram o transporte aéreo daquela população à Aldeia São Marcos, a centenas de quilômetros de distância do território originário”. A Aldeia São Marcos era local de outro sub-grupo Xavante.
Conforme consta na ação, os depoimentos dos sobreviventes da remoção forçada de Marãiwatsédé evidenciaram que, na ocasião, aquela comunidade foi tomada por um misto de surpresa e desilusão. Para coagir os indígenas a aderirem a transferência, as crianças foram levadas antes de seus pais, “conduta expressamente prevista como crime de genocídio, no artigo 1º, “e”, da lei 2.889/56”.

 

TRAUMATIZAÇÃO PSICOSSOCIAL COLETIVA E MORTES
O MPF investigou, por meio de Parecer Técnico de natureza psicossocial, todas as circunstâncias da remoção que acabaram acarretando intensos sentimentos individuais e coletivos de dor, tristeza e desilusão. Um parecer técnico psicológico, elaborado durante a instrução do inquérito civil, consignou que o episódio da remoção forçada seguida da morte de dezenas de membros do grupo Xavante de Marãiwatséde configura um episódio desencadeador de traumatização psicossocial coletiva.
Ao todo, foram removidos para a Aldeia São Marcos 263 xavantes, sendo que um terço do grupo foi dizimado nas primeiras semanas após a remoção, em razão de uma epidemia de sarampo em curso na região. Sobreviventes relataram que não houve respeito às crenças, ritos e tradições da comunidade, pois foram utilizadas covas coletivas para o sepultamento das vítimas, amplificando ainda mais o sentimento de perda, desilusão e angústia. Oitenta e cinco pessoas oriundas de Marãiwatséde morreram semanas depois da chegada em São Marcos.
“A imagem dos corpos amontoados nos caminhões sem nenhum cuidado aparece com frequência. A preparação do corpo, o preparo da cova e o choro ritual, para depois haver o sepultamento, foram substituídos por um enterro coletivo, sem ter sido cumprido nenhuma tipo de ritual. E o preparo da cova, pensada em um espaço específico e preparada segundo a cultura Xavante, foi substituído por uma vala única, um ‘buraco’ feito em algum lugar, sem nenhum cuidado na escolha, do ponto de vista da ritualidade Xavante. O recolhimento dos corpos e seu enterro coletivo em vala comum são o ápice do processo da violência que desencadeou a traumatização nessa população”, relata o psicólogo Bruno Simões Gonçalves no Parecer Técnico Psicológico.
A morte repentina de grande número de membros da comunidade deu causa a um desarranjo social também no grupo receptor em São Marcos, que precisavam assimilar a dor de dezenas de mortos e ainda reintegrar em seu território um grupo xavante pouco conhecido.
USURPAÇÃO DA TERRA

Apesar da remoção forçada da maior parte do grupo, membros remanescentes permaneceram na área, enquanto o grupo removido empreendia esforços, desde o primeiro momento, de retorno à região de origem. Marãiwatsédé permaneceu como lugar de perambulação, coleta de sementes e frutos e culto ancestral. Mesmo assim, a tentativa de apagar a presença indígena é manifestada em inúmeras certidões emitidas pela FUNAI, atestando falsamente a inexistência de comunidades indígenas na área do empreendimento denominado Agropecuária Suiá-Missu.
A dispersão da comunidade de Marãiwatséde tornou-os extremamente vulneráveis, sujeitando-os à hostilização por parte de outros grupos Xavantes. Com isso, devido a graves desentendimentos ocorridos na Aldeia São Marcos, parte do grupo foi para Couto Magalhães. Em seguida, para o território de Areões e, por fim, seguiram para Pimentel Barbosa, onde ficaram até retomarem a posse de Marãiwatséde. “A luta ainda persiste, tendo em vista a parcela do território, já efetivamente identificado pela Funai, que ainda não lhes foi restituído, bem como a intensa conflituosidade que marca a relação da comunidade indígena com a comunidade envolvente, especialmente do município de Alto Boa Vista”, afirmam os procuradores na ação.
PEDIDOS DO MPF
O objeto da Ação Civil Pública vai além do pedido de reparação material aos Xavantes, pois isso seria ignorar todo o sofrimento ao qual os indígenas de Marãiwatséde foram submetidos ao longo dos últimos 48 anos, e as dificuldades enfrentadas até os dias atuais.
Diante dos fatos, o MPF solicita o PEDIDO PÚBLICO DE DESCULPAS por parte das autoridades públicas do país, a ser realizado em terra Xavante, para a reparação dos danos morais coletivos causados à comunidade indígena.
A RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA também foi pedida pelo MPF na Ação Civil Pública. “É necessário ressaltar que tal pedido está intimamente ligado à manutenção das condições existenciais mínimas daquela comunidade, cujos costumes guardam íntima relação com a terra originária. Destarte, a degradação ecológica da área impede não apenas a reprodução cultural daquele povo, mas também a própria saúde e nutrição físicas, severamente impactadas pelo desmatamento em suas terras”, relata um trecho do texto da ação civil.
Para o MPF também é essencial que as entidades envolvidas na ação declarem formalmente a existência dos atos ilícitos cometidos contra os indígenas, neste caso a remoção forçada de cerca de 263 membros da comunidade Xavante de Marãiwatséde, seguida da morte de mais de 80 pessoas do grupo, com delcaração expressa sobre a caracterização de tais atos como crime de genocídio.
E por fim a reparação pecuniária dos danos causados à comunidade indígena, no valor de R$ 129.837.000,00. O valor arbitrado deve ser depositado em conta judicial e liberado segundo a apresentação de projetos tendentes ao benefício da comunidade afetada, independentemente da residência atual na Terra Indígena Marãiwatséde.
A Ação Civil Pública tramita na Justiça Federal de Barra do Garças sob o número 2766-51.2016.4.01.3605. Clique aqui para ter acesso ao documento enviado pelo MPF à Justiça Federal.

Indígenas isolados do povo Yanomami foram registrados em operação da Funai

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Indígenas isolados do povo Yanomami foram registrados em operação da Funai

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Foto: Acervo Funai/FPEYY

A ação que localizou e registrou o grupo ocorreu no mês de setembro deste ano, em parte da Terra Indígena (TI) Yanomami, no estado de Roraima, e foi realizada pela Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’Kuana (FPEYY) da Funai.O sobrevoo na região teve o objetivo de realizar um levantamento sobre a atual situação dos índios isolados e do território yanomami, bem como monitorar as atividades ilícitas que ocorrem lá dentro, com foco no garimpo ilegal e nas invasões da terra resultantes da expansão da fronteira agrícola no estado.

Essa não foi a primeira vez que os índios isolados, chamados de Moxihatëtëa por seus inimigos Yanomami, foram avistados. “O grupo é monitorado pela Funai, via satélite e por sobrevoo, desde 2011, ano em que o órgão obteve as primeiras fotos de suas malocas. As fotos tiradas este ano pela Fundação são, sem dúvida, as melhores e mais reveladoras no que diz respeito às características desse grupo indígena, mas não são as primeiras”, afirma o coordenador de Proteção e Localização de Índios Isolados da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Funai, Fabrício Amorim.

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Foto: Acervo Funai/FPEYY

Segundo o coordenador, as atitudes dos Moxihatëtëa revelam que o grupo quer se manter isolado, pois todas as suas ações se dão no sentido de evitar contatos sistemáticos com a sociedade não indígena. “É possível, no entanto, que eles tenham contatos esporádicos e não permanentes com outros grupos de Yanomami”, acrescenta.Durante o sobrevoo à maloca dos Moxihatëtëa, foi possível visualizar indicativos de que o grupo está aparentemente bem. Os indígenas produzem roças de banana e o número de tapiris permanece o mesmo desde que o grupo passou a ser monitorado pela Funai, apontando para uma possível estabilidade do número de famílias.

Atividades ilícitas

No entanto, por meio sobrevoo da área também foi constatada a presença de atividades ilícitas no interior da terra indígena. Foram avistadas diversas pistas de pouso clandestinas, acampamentos e a presença de balsas para extração de ouro, que confirmam a atividade garimpeira ilegal na região.

A cada ano, são realizadas diversas operações de combate ao garimpo nas terras indígenas mais afetadas por esse ilícito, entre elas a Terra Indígena Yanomami. As operações contam com a participação da Funai, Ibama, Polícia Federal, entre outros órgãos com competência para atuar nessas situações.

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Foto: Acervo Funai/FPEYY

A última na TI Yanomami foi a Operação Curare VII, realizada em outubro desse ano, pelo Exército Brasileiro, que combateu o garimpo ilegal nos rios Uraricuera e Mucajaí, com acompanhamento integral da FPEYY. Segundo dados divulgados pelo Exército, foram destruídos no interior da TI: 18 balsas de garimpo ilegal, oito motores usados na garimpagem, seis geradores e quatro compressores de ar que davam suporte à atividade. Além disso, foram realizadas quatro patrulhas fluviais, em que foram apreendidos 123 g de ouro e detido um não indígena no interior do território.Os Moxihatëtëa

Esse grupo foi localizado pela FPEYY e a Hutukara Associação Yanomami (HAY), em junho de 2011, durante uma atividade de reconhecimento aéreo. No sobrevoo foi observada a presença de uma maloca coletiva pertencente a um sub-grupo Yanomami considerado desaparecido desde a segunda metade dos anos 1990.

Este grupo é tradicionalmente conhecido pelos seus antigos vizinhos e inimigos Yanomami de língua yanomae/yanomama do oeste e do sul como Moxi hatëtëma thëpë. A designação remete ao fato de que esses índios manteriam o prepúcio do pênis (moxi) preso entre dois barbantes (hatëtë) amarrados na cintura.

Os Moxihatëtëma Thëpë pertencem ao subgrupo Yanomami de denominação Yawaripë, que, em geral, foram contatados nas décadas de 1950 e 1960. Os Yawaripë estão entre os mais impactados pela construção da BR-210 (Perimetral Norte) na década de 1970, que levou a óbito cerca de 40% dos indígenas que viviam na região, em consequência de doenças contagiosas.

Nos anos 1990, os Moxihatëtëma circulavam ocasionalmente nas regiões dos rios Catrimani, Mucajaí e Apiau. Nessa época, se ouvia falar de ataques armados contra eles por garimpeiros e de conjecturas sobre o possível desaparecimento do grupo devido às doenças e à violência. Alguns contatos esporádicos foram relatados no decorrer da década, mas apenas em 2011 se teve a comprovação de que não haviam desaparecido.

Política de proteção a povos isolados no Brasil

A maior concentração de povos isolados conhecida no mundo está no Brasil. O Estado brasileiro, por meio da Funai, reconhece a existência de 103 registros, sendo 26 confirmados. As ações de localização de grupos isolados executadas pela Funai vêm revelando que esse número pode aumentar ainda mais nos próximos anos, caso haja um efetivo fortalecimento e continuidade dessa política.

Nas décadas de 1970 e 1980, o avanço das frentes de expansão econômica, especialmente na Amazônia Legal, impôs aos povos indígenas isolados o contato forçado com a sociedade

Carta dos Conselheiros Guarani e Kaiowá da Aty Guasu para o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

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Caro Presidente Paulo Pimenta, nós conselheiros da Aty Guasu, Grande Conselho do povo Guarani e Kaiowá, representando os mais de 45.000 indígena de nossa etnia no Mato Grosso do Sul, escrevemos este documento para dizer que depositamos em suas mãos e na Comissão de Direitos Humanos uma grande esperança. Que contamos com os senhores como poucos aliados que temos contra todo o abuso e os crimes que o Estado e o próprio Governo vem cometendo contra nosso povo. Esta mesma Esperança temos guardado ao longo de séculos de descaminhos, de beira de estradas, de direitos negados e de terras roubadas.

 Desde a invasão de nossos territórios, em 1500 temos enfrentado um desmonte permanente e continuo de nossos territórios tradicionais. No mato Grosso do Sul, para que o latifúndio pudesse prosperar, nos jogaram em Reservas apertadas, em reformatórios e campos de concentração indígena quando não mataram e destruíram povos e aldeias inteiras. Hoje nossas demandas de terra não chegam a dois por cento do Estado do Mato Grosso do Sul.

 Entre nós Guarani e Kaiowá, em nossas lendas antigas, falamos de homens que se transformam em outros homens, mulheres em outras mulheres ou até humanos que se transformam em animais. Estes seres se transformam no outro, mas continuam sendo os mesmos seres, nas mesmas almas. Assim temos visto as autoridades brasileiras: o terno se transforma na farda, a mesma farda da ditadura militar, a farda se transforma no chapéu e no cinto do fazendeiro e assim seres diferentes que são na politica o mesmo ser, esmagam nosso direito. Hoje a caneta de um juiz tem o peso do pau de arara, da arma que nos atira para matar e até mesmo da voz rude do despejo de nossas comunidades pela polícia. Hoje a caneta é igual a espada, é um veneno pra nós.

 Sabemos que tudo se parece porque na verdade tudo anda igual ou pelo menos está articulado. Começa pelo Poder Executivo que hoje através da própria presidência paralisou nossas demarcações e tem nos atacado através da AGU e do Ministério da Justiça. Isso fortalece nossos piores inimigos que hoje estão vestidos de parlamentares, mas que continuam sendo latifundiários ou aliados destes. Eles usam da estrutura do Congresso para atacar criminosamente a constituição federal, nossos direitos e os direitos dos povos e grupos que se colocam no caminho da monocultura. Por fim, o Judiciário, com a segunda turma do STF desmontando nossas terras já demarcadas, como Guyraroká, Arroio Korá, Taquara, Sombrerito. Todos estes setores atacam nossos direitos mais sagrados. A terra ancestral que para nós é nossa mãe, nossa benção e o futuro não apenas nosso como de toda a humanidade.

 Com isso temos vivido aqui no Mato Grosso do Sul, um cerco permanente de violência. Nós lideranças somos caçados dia e noite e para lutar pelos nossos direitos temos, mesmo que nos mantendo vivos, desistir de nossas vidas. Não podemos ter acesso às cidades, ter tranquilidade, nem pensar em futuro com nossos filhos e família. O numero de Guarani e Kaiowa mortos pelos fazendeiros ou pelo Estado permite comparações com tempos de guerra.

 O senhor deve ter acompanhado o que aconteceu a nossos parentes Terena em Miranda, mais ao Norte do Estado. Um fazendeiro que sempre ameaça as lideranças deste povo simplesmente disparou contra indígenas que estavam em seu roçado. Um Terena ainda encontra-se no hospital com bala em seu corpo. Estes crimes são diários e de sabedoria pública, mas quase em todos os casos nada é feito para proibir tais crimes praticados de maneira aberta e intencional.

 Não temos segurança em nossas terras localizadas próximas a fronteira com o Paraguai. A Força Nacional nem ao menos tem conseguido garantir contingente que passe por nossas terras para evitar o ataque dos pistoleiros. Estamos abandonados a nosso próprio destino.  

 Com isso nosso povo chora, sofre, morre, desaparece. Hoje falam em democracia. Escutamos atentos tanta coisa ser falada pelo branco, porém o que vocês chamam de democracia para nós tem gosto semelhante ao da colonização e da ditadura, e o gosto em nossas gargantas continua como o de sangue, nosso sangue.

 As comissões da verdade têm demonstrado os crimes que o Estado cometeu e comete com nós, mas ainda assim o Estado e o Governo insistem em nos penalizar com “Marco temporal”,  “Renitente Esbulho”, “controvérsia possessória jurídica”, pelos crimes que eles cometeram contra os povos indígenas do Brasil. Podemos não entender essas palavras, mas entendemos e denunciamos seu significado. Significam a morte dos povos indígenas do Brasil.

 É preciso senhor presidente, que o Governo cumpra com sua responsabilidade e com a Constituição Federal de 1988. Primeiramente reforçando a Funai e efetivando o atual presidente interino, a quem atribuímos nossa confiança, ao cargo efetivo da instituição. Precisamos da Funai fortalecida para que continuem a montagem dos GTs para identificação e estudo de nossas Terras. Ao mesmo tempo precisamos que politicamente estes estudos sejam reativados pelo Executivo.

 Veja o caso de Apyka’i. Mais uma vez a comunidade se encontra frente ao despejo. Depois de tanto sofrimento, depois de mais de 12 mortes diretas, famílias inteiras já receberam ordem para serem removidas e sabemos que só sairão mortas de Apyka’i. Por causa da falta de estudo não temos defesa na justiça que possa salvar esta nossa comunidade tradicional da beira da estrada e do extermínio. Com o mesmo destino e sofrimento de Apyka’i, existem muitos outros acampamentos e quase todas as Terras Indígena da região de Dourados.

 Para evitar este estado permanente de cercamento e genocídio é preciso também publicar os relatórios dos seis “Peguá” (regiões de estudo), para enfim avançarmos e conquistarmos nosso direito ao acesso a Terra de maneira tranquila. Em muitas outras Terras necessitamos da publicação das Portarias declaratórias que depende do Ministro da Justiça e da homologação da Presidência da República.

 Se o Governo cumprir a Constituição e demarcar nossos territórios tradicionais, resolverá a situação de massacre que estamos sofrendo, caso contrário só restará ao nosso povo a luta direta através de nossas retomadas e não recuaremos na luta pela nossa vida, mesmo sabendo que isso significa a morte de milhares de nosso povo.

 O pior e mais criminoso dos ataques contra nossos direitos vem hoje do Judiciário. A suspenção das portarias e homologaçõesdemarcações de terras indígenas já consolidadas. Esta é uma declaração de Guerra do Estado Brasileiro contra os povos indígenas. Este fato nos faz afirmar que nos, povos indígenas estamos vivendo um dos piores períodos de toda a história.

 Na história ficarão as marcas das atitudes dos senhores e de seus governos. Lados que parecem certos agora, ao lado dos grandes senhores do agronegócio serão apontados num futuro como o extermínio dos filhos da terra, da floresta e do Brasil. Nossos rezadores nos dizem isso quando ficam doentes por ver seu povo e o que estão fazendo contra nós.

 O Senhor e a Comissão de Direitos Humanos escutaram nosso chamado. Seus olhos enxergaram aqui um povo à beira do genocídio físico e cultural. Somos gratos pela vinda dos senhores, pelo apoio e por isso em esperança lhe pedimos que nos apoiem em derrotar a PEC 215, a PL 1216 e muitos outros ataques abertos a nossos direitos e a Constituição. Que nos apoie também em não deixar os juízes do Supremo desmontar nossas terras já conquistadas com o sangue e a histórias de nosso povo e que por fim nos ajude a fazer o Ministério da Justiça e a Presidenta a cumprir com suas responsabilidades e demarcar nossas terras como manda a Constituição de 1988.

 Pedimos que assim como nossos lideres antigos fazem, que o senhor conte nossa história, denuncia nossa situação, ajude a fazer o mundo e o país a entender o que estão fazendo contra nossos povos. Pois devemos por respeito a nossos filhos e velhos e por respeito a este planeta dizer que não morreremos quietos e esquecidos, e que se o governo não cumprir o que deve, retomaremos todos os nossos territórios e morreremos batalhando por nosso direito. Isto não é ameaça presidente, é nosso grito de basta e nosso mais forte apelo.     

 Nós povos indígenas tomamos ainda uma decisão. Nossos lideres que tombearem e morrerem durante as retomadas não ficarão esquecidos em cemitérios na beira das rodovias ou esquecidos nos fundos de fazendas. Levaremos seus corpos e os enterraremos na explanada dos ministérios para que mesmo dentro das estruturas do poder em Brasília possam ver as cruzes que vemos todos os dias e meditar sobre suas ações e as consequências dos crimes que o Estado e Governo cometem todos os dias.